Essa entrevista mostra um caso muito interessante de uma empresa de mais de 20 anos de mercado, que tem um software não web e que, em um determinado ponto de sua vida, percebeu que precisava fazer uma versão web de seu software. Já falamos sobre esse tema aqui no blog, mas é sempre bom mostrar exemplos práticos para ilustrar a teoria.
A empresa em questão é a Aurum, pioneira no desenvolvimento de software jurídico no Brasil.
Guia da Startup: A Aurum tem 20 anos de história. Vc consegueria resumi-la para que os leitores conheçam um pouco da Aurum?
Sonia Tuyama: A Aurum é uma das pioneiras em software jurídico no Brasil, surgiu do encontro de 4 amigos que se formaram e abriram uma empresa de desenvolvimento de software sob medida e consultoria em banco de dados, juntos sempre tivemos vontade em ter um produto nosso. Um dos sócios já tinha desenvolvido um software para um escritório de SP e já conhecia bem o dia-a-dia deste público, assim resolvemos fazer nossa primeira versão do software, que demos o nome de Themis.
Ao longo desses 20 anos, conquistamos milhares de clientes em todo Brasil, entre eles advogados renomados e departamentos jurídicos de grandes corporações.
Hoje o Themis é um software para escritórios e departamentos jurídicos, com diversos módulos como controle de processos, andamentos, documentos, arquivo, módulo financeiro, provisão, entre outros. Temos escritórios em SP, RJ e SC e atuamos exclusivamente no segmento jurídico.
GE: Quando e porque surgiu a ideia de fazer uma versão web do seu produto?
ST: Temos uma versão web há aproximadamente 8 anos. Seu desenvolvimento foi motivado pela necessidade dos advogados acessarem os mesmos dados que usavam no escritório em suas viagens ou mesmo em casa. No caso dos departamentos jurídicos, em muitos casos o acompanhamento operacional dos processos é feito por escritórios terceirizados, estes precisam ter acesso para alimentar informações, enquanto o departamento jurídico precisa ver tudo de forma centralizada; neste modelo, os departamento jurídicos usam a versão desktop e os escritórios terceirizados usam a versão web.
Esta abordagem nos levou a desenvolver uma versão web que era praticamente a tradução do software desktop para a internet. Portanto as versões desktop e web funcionam colaborativamente e com o mesmo banco de dados.
O que consideramos que foi uma grande mudança, foi a decisão de fazer um software totalmente web, o Astrea. A idéia surgiu com a tendência de software na nuvem. Outro motivo foi combater o alto custo de implantação de um software desktop/web, além do desejo de fazer uma atualização tecnológica.
GS: Quanto tempo levou desde que vcs tiveram a ideia, até colocar o produto na frente de clientes?
ST: 3 anos
GS: Fazendo uma retrospectiva, pq vc acha que levou esse tempo?
ST: Este tempo foi necessário, pois o produto foi fruto de todo um processo de mudança na empresa.
Inicialmente tivemos uma fase de consultoria estratégica (com vc… :-P) que durou aproximadamente um ano, onde conversávamos sobre novas maneiras de fazer um plano de negócios, gestão de produtos, gestão de equipe de forma ágil, UX, linguagens de desenvolvimento, banco de dados, formação de preços e muitos outros assuntos que nos levavam a um mergulho num numa nova forma de pensar o produto.
Depois veio uma longa fase de estudos para a escolha da tecnologia a ser adotada. Uma vez tomadas as decisões iniciais, precisávamos de consultorias técnicas e treinamento da equipe de desenvolvimento. Precisávamos ainda, agregar na equipe profissionais que não tínhamos antes, como designer de UX, web designer.
No meio do processo abrimos uma filial de desenvolvimento em Florianópolis, o que manteve a equipe dividida no início e depois houve a total separação entre equipe do Themis e do Astrea, o que levou mais tempo até treinar nova equipe.
Analisando hoje, parece lógica a divisão entre Themis e Astrea, mas no início não era tão claro para nós que o Astrea atingiria um segmento diferente. No início tentamos fazer um produto que permitisse a migração do Themis para o Astrea, e isso nos levava para o caminho de um software com muitas funcionalidades e, consequentemente, muito tempo para lançar o produto.
Com o tempo, veio a decisão de encarar como um novo produto, sem ligações com o anterior, tirando todas as limitações impostas pela idéia de continuidade. Esta mudança de rumo alongou ainda mais o projeto.
Quando a equipe estava preparada, iniciamos o desenvolvimento, agora contando com equipe de UX e envolvendo o usuário em diversas etapas do projeto.
Embora lidássemos com o mesmo público há quase 20 anos, fizemos questão de iniciar o processo com diversas entrevistas e pesquisas, procuramos manter contato ainda mais próximo dos usuários, para dar novas soluções aos problemas antigos.
Enfim o projeto entrou em velocidade de cruzeiro, até ficar pronto para iniciar o uso em produção em março de 2013.
GS: Vcs temiam algum tipo de canibalização da venda do Themis com o lançamento do Astrea?
ST: No início sim, mas depois percebemos que o Astrea se destinava a um público que o Themis já não atendia mais.
Para atender aos escritórios médios e grandes e aos departamentos jurídicos das empresas o software aumentou sua complexidade com controles referentes a estas realidades, tornando-se um software bastante robusto (Exemplo: controle de equipes, controle de quem pode fazer o quê, quem aprova o quê, quem vê o quê, qual o workflow de determinada atividade, provisão, circularização, etc). Por outro lado, esta complexidade torna muito complicada a vida de quem não precisa desses controles todos, ou seja, o escritório pequeno e o profissional liberal, que tem uma estrutura mais enxuta. Para este público o Astrea se encaixa perfeitamente, pois tem foco na atividade do advogado, partindo do pressuposto que é o próprio advogado quem vai operar o software para tudo, com isso o software tem as funcionalidades que atendem esse novo segmento dentro do mercado jurídico.
Este processo nos levou a abertura de uma nova empresa, a Astrea Software.
GS: Quais foram as principais dificuldades que vcs sentiram ao criar o Astrea?
ST: Acredito que a maior dificuldade foi a mudança de tecnologia, até chegar a escolha que adotamos foram algumas tentativas.
Outra dificuldade foi o Astrea encontrar seu lugar dentro da empresa, demorou um tempo até estarmos seguros dessa decisão, muitos outras abordagens poderiam ser tomadas para este produto.
GS: Como está o Astrea hoje?
ST: Estamos numa fase piloto, atuando em uma região pequena do país, onde acompanhamos de perto o uso de alguns clientes. Estamos validando todo o processo, pois todos os processos que eram presenciais no Themis, agora passam a ser virtuais no Astrea, desde o primeiro contato através de uma campanha, a entrada no site, início de uso em fase de teste, contratação, treinamento, implantação, suporte e melhorias.
Estamos recebendo, analisando e implementando as solicitações desse grupo; medindo a taxa de conversão, o desempenho do site do produto e do software entre outras atividades.
A partir do momento que finalizarmos esta fase, atuaremos de forma mais abrangente em todo país.
GS: Como é a relação entre Themis e Astrea?
ST: Com o tempo ficou claro para nós que o Themis e o Astrea seguiriam caminhos diferentes. O Themis, como é um software bem robusto e completo continuará seu caminho de evolução para departamentos jurídicos, médios e grandes escritórios, enquanto o Astrea será destinado a escritórios pequenos e profissionais autônomos. Dessa forma podemos mantê-lo com pouca complexidade, com foco total na atividade para este grupo de usuários, que tem caracteristicas e necessidades diferentes no seu dia-a-dia.
GS: Após essa experiência de criar o Astrea, vcs têm alguma recomendação para as empresas que têm um produto que é um software não web e que sabem que têm que ir para a web?
ST: A forma de desenvolver software mudou muito, acredito que os softwares mais antigos eram muito focados em funcionalidades, os softwares atuais devem ter o usuário em seu foco. O usuário tem diferentes participações em todas as fases do processo de desenvolvimento. Certamente as funcionalidades essenciais do software ‘não web’ precisam ser contempladas, mas de forma diferente. Isso vai exigir uma mudança muito grande de paradigma, é necessário se atualizar, ler muito, contratar consultoria, participar de congressos, mas acima de tudo entrar no processo de mudança com a mente aberta, pois o mais difícil para quem tem um produto de sucesso é admitir que é preciso mudar.
Acredito que seja necessário usar a experiência e conhecimento adquirido ao longo dos anos para saber o que o cliente precisa, quais são os reais problemas a serem solucionados, porém devemos encarar o ‘novo software’ como algo realmente novo. Nem sempre isso é possível, depende muito de software e do público que a empresa atua.
Quando ‘a mudança’ estiver realmente incorporada na empresa, o software anterior também vai se beneficiar, pois pode ser evoluído com um novo olhar e isso também é inovação. Hoje quando vamos fazer um novo módulo no Themis ou fazer alguma alteração, usamos muitas das técnicas usadas no Astrea e o software tem se modernizado.
Update: Setembro/2016
GS: Três anos se passaram desde a nossa entrevista acima. Como está o Astrea?
ST: Quando conversamos em 2013 o Astrea era uma aposta. Sabíamos que precisamos ter uma oferta de software na nuvem e estamos trabalhando forte nisso. Hoje fico muito feliz em dizer que o Astrea já está se encaminhando para ser uma estrela de nosso portfólio de produtos, com mais de 640 clientes!
Comentários
O que vc achou da história da Aurum com seus dois produtos, o Themis, a “vaca-leiteira” da empresa e o Astrea, a aposta? Comente abaixo!