No capítulo anterior acabamos de rever alguns conceitos básicos de produtos digitais. Agora vamos entender o que é ser head de produto, quais os seus papéis e suas responsabilidades.
Qualquer que seja o caminho que o leve à possibilidade de ocupar um cargo de liderança de produto, seja por considerar esse o seu próximo passo na carreira ou por ter a tarefa de encontrar alguém para ocupar esse cargo, é importante esclarecer qual é a principal responsabilidade deste papel: gerenciamento de expectativas. Será algo entre 50 a 80% do seu tempo.
Ouço de alguns gestores de produto que querem se tornar head de produto porque veem essa posição como uma grande oportunidade de ter uma opinião forte sobre, ou até mesmo de liderar, a construção da visão e estratégia do produto e, consequentemente, da empresa, especialmente se você estiver em uma empresa que é puramente digital ou tradicional nascida digital.
Isso realmente acontece, e é parte de sua responsabilidade, mas devo dizer que isso não representa mais de 10% do trabalho de head de produto. E mesmo esses 10% não são um empreendimento solo. Você precisará construir a visão e estratégia de produto em colaboração com as principais partes interessadas em seu produto, especialmente os fundadores da empresa, que são os primeiros gestores de produto de qualquer empresa e a diretoria, os C-level.
Os outros 90% da responsabilidade do head de produto são compartilhados entre ajudar gestores de produto em seu desenvolvimento – algo entre 10% a 40%, dependendo da senioridade desses gestores de produto – e o gerenciamento de expectativas, que vai tomar de 50% a 80% do seu tempo.
Por gerenciamento de expectativas, quero dizer gerenciar a ansiedade de todos os interessados no produto, internos e externos, em saber quando e como o produto vai ter essa ou aquela funcionalidade para trazer aquele resultado para atingir aquele objetivo.
É importante ter essa divisão de tarefas e responsabilidades clara antes de decidir aceitar a função de head de produto, para entender o que outras áreas e sua equipe vão esperar de você, caso você decida aceitar o trabalho.
Normalmente, tenho visto pessoas preenchendo uma posição de head de produto vindo com três históricos principais: ou é uma gestora de produto que começará a gerenciar outros gestores de produto ou é uma pessoa que lidera design ou marketing ou é uma pessoa que lidera engenharia.
Esse pode ser um passo natural na carreira de uma gestora de produto. À medida que se torna mais experiente, ela pode se tornar a pessoa preferida de outros PMs em busca de conselhos. Portanto, os 10% a 40% de ajudar outros gerentes de produto a fazer parte da posição de chefe de produto podem vir naturalmente para ela. No entanto, ainda há 10% da construção da visão e 50% a 80% do gerenciamento de expectativas a serem considerados.
A construção da visão também não deve ser algo novo para um gestor de produto sênior. Ele já deve fazer isso para o produto ou parte do produto que cuida, portanto não deve ser novidade, apenas ter um escopo maior. Lembre-se de trabalhar na construção de uma visão de alto nível e dar espaço para que os detalhes sejam trabalhados pelos PMs que o head de produto lidera. Construir esses detalhes de uma visão de produto é uma responsabilidade e oportunidade desenvolvimento importante para gestores de produto.
Os 50% a 80% restantes do tempo gasto no gerenciamento de expectativas também não devem ser estranhos ao gestor de produto que aspira a se tornar head de produto. Na verdade, ele já faz isso com o produto ou parte do produto de que cuida. Desde os membros de sua equipe, as pessoas de outras áreas, os C-level, até o fundador da empresa. Aqui, novamente, estamos falando de um aumento de escopo. E, novamente, precisamos permitir que os PMs liderados pelo head de produto também gerenciem a ansiedade das partes interessadas, para que possam desenvolver essa habilidade. Mas não se esqueça de que, como head de produto, você será o responsável para gerenciar as expectativas do C-level, dos fundadores e do conselho.
Se você não deseja gerenciar outras pessoas, tudo bem. Sempre é possível ter espaço em sua equipe para uma posição de gerente de produto mais sênior. Algumas empresas chamam isso de principal product manager. Falarei mais sobre esse papel ao longo do livro.
O primeiro passo para um gestor de produto se tornar head de produto é quando continua trabalhando com sua própria equipe (engenheiros e designers de produto) e supervisiona o trabalho de um gestor de produto em outra equipe. Um nome possível para essa nova posição é group product manager (GPM), pois ela está gerenciando um grupo de produtos ou um grupo de partes de um produto. Indo tudo bem, o próximo passo é contratar seu substituto para a função existente que ele ainda desempenha como gestor de produto. Livre de seu trabalho diário de gerenciar um produto, ele poderá gerenciar dois ou mais gestores de produto.
UX e marketing são duas áreas muito próximas à gestão de produtos. Enquanto o UX trabalha em conjunto com gestão de produtos em atividades de discovery, o marketing trabalha em conjunto com gestão de produtos em atividades para contar ao mundo sobre o produto e o problema que ele resolve e para aumentar sua base de usuários. Ou seja, ambos entendem bem o trabalho de gestão de produtos por trabalharem diariamente com isso.
Tanto para um líder de UX quanto para um líder de marketing que assume essa posição de head, é importante que essa pessoa entenda não apenas as semelhanças, mas também as diferenças entre as duas funções e seu papel e responsabilidades no sucesso do produto.
Se você é um CTO ou um líder de engenharia e foi convidado para liderar a área de produto, é provável que você tenha sido solicitado a preencher essa posição em adição das suas responsabilidades existentes em engenharia. Existem prós e contras em combinar os dois papéis. Como ponto positivo, desenvolvimento de produto é uma área só que tem por objetivo entregar o melhor produto para atingir os objetivos da empresa enquanto resolve problemas dos usuários. Ter uma única pessoa liderando a área facilita o alinhamento do time.
Por outro lado, especialmente com time maiores, juntar esses dois papéis pode gerar uma sobrecarga considerável na sua agenda e no dia a dia de trabalho. É importante conseguir priorizar e ter boas pessoas no time para você delegar algumas de suas tarefas.
Tanto na Locaweb quanto na Conta Azul eu tive esse papel de liderar todo o time de desenvolvimento de produto, ou seja, gestores de produto, product designers e engenharia. Apesar de ter background técnico, eu sempre tive pessoas seniores para me ajudar na gestão de engenharia assim como na gestão de design e de produtos. Já no Gympass rodamos durante 18 meses com um CTO, um head de produtos para consumers e eu como head de produtos para empresas e parceiros.
Como eu comentei acima, o papel do head de produto está dividido em 3 grandes áreas:
Visão e estratégia de produto: normalmente toma algo em torno de 10% do tempo de um head de produto. Definir a visão de produto é definir como será o produto no futuro. O que você quer que o produto seja quando ele crescer? E a estratégia é o caminho para chegar até a visão. Construir visão e estratégia de produto é um trabalho que o head de produto faz alinhado com os fundadores da empresa, a alta gestão e o conselho, com input de todas as áreas da empresa e do cliente. Vou falar mais sobre construção de visão e estratégia nos próximos capítulos.
Ajudar gestores de produto em seu desenvolvimento: a depender da senioridade do seu time, isso vai tomar algo em torno de 10% a 40%. Quanto mais júnior e inexperiente, mais tempo você terá que dedicar para o desenvolvimento do seu time. Falarei mais à frente sobre algumas das Ferramentas importantes: reuniões 1:1, reuniões de time, avaliação e feedback, product council, product update e organização de time.
Gestão de expectativas: pelo menos metade do seu tempo será dedicado à gestão de expectativas, podendo chegar a até 80%. Na área de produtos e, principalmente, na liderança de produtos digitais, não existe “comunicação em excesso”. Sempre haverá alguém que tem expectativas sobre o produto e que ainda não está ciente da sua visão e estratégia. Com muitas empresas com quem converso sobre produtos digitais ouço uma reclamação bastante comum, de que a área de desenvolvimento de produtos é uma caixa preta. E isso gera muita expectativa das outras áreas, que precisam que suas dores de produto sejam resolvidas. Por outro lado, o time de desenvolvimento de produto também tem expectativas, quer saber qual a visão de produto, qual a estratégia, qual o roadmap, quais as prioridades. A melhor maneira de gerir essas expectativas é por meio de comunicação. Como comentado, as Ferramentas que serão apresentadas mais à frente serão muito úteis para a gestão de expectativas.
Pessoas que querem crescer na carreira para serem head de produto costumam justificar essa progressão de carreira motivados pelo desejo de poder ter uma voz mais ativa e até mesmo guiar a definição de visão e estratégia do produto. Sinto frustrá-los. Como já mencionei, isso é apenas 10% do trabalho de um head de produto. Os outros 90% do tempo de um head de produtos são dedicados ao trabalho de ajudar os gestores de produto a se desenvolverem e à gestão de expectativas. Reforço que, quanto mais júnior e inexperiente for o seu time, mais tempo você terá que dedicar para o desenvolvimento do seu time, o que pode tomar até 40% do seu tempo. Por outro lado, se seu time for júnior e inexperiente, mais trabalho você terá com gestão de expectativas, que pode chegar a tomar até 80% do seu tempo.
Imagine que você tem um time júnior e inexperiente, que tome 30% do seu tempo, e que, em função disso, você tenha muita gestão de expectativa para fazer, tipo 70% do seu tempo. Ou seja, 100% do seu tempo será tomado com ajudar seu time a se desenvolver e em gerir expectativas. Por isso, é importante você tomar muito cuidado com a senioridade do seu time, caso contrário não sobrará tempo no seu dia a dia para cuidar da visão e estratégia do produto que você lidera.
Certa vez, ao explicar essa divisão de tempo, recebi a pergunta se gestão de resultados não seria também uma das responsabilidades do head de produto. Sim, é uma das suas responsabilidades, e cai na categoria de gestão de expectativas. Todos na empresa esperam que o produto ajude no atingimento das metas e nos resultados da empresa. Assim como os usuários do produto também têm a expectativa de atingir suas metas e resultados utilizando o seu produto. Então, uma forma de gerir as expectativas das pessoas da empresa e de seus usuários é ajudando-os a atingir seus resultados e deixando claro como o produto está tornando isso possível.
Este é um tópico que ouvimos quase diariamente em todas as empresas: níveis de senioridade. Existem muitas situações em que esse assunto surge, como em contratação, avaliação de desempenho, aumentos, promoções, bônus etc. Quanto mais sênior é uma pessoa, mais você espera dela. Afinal, ela tem experiência e conhecimento para lidar com as situações mais difíceis do trabalho. Minha experiência me mostrou que precisamos analisar a senioridade de uma pessoa com base em três dimensões:
Normalmente avaliamos a senioridade com base no tempo. Por exemplo, se uma pessoa tem mais de 10 anos de experiência, ela é sênior. No entanto, o tempo sozinho não é suficiente. Se ela fez a mesma coisa nesses 10 anos, sem se questionar e sem continuamente buscar melhorar e experimentar coisas novas, ela não evoluiu como profissional. Ela não colocou novas ferramentas em seu cinto de utilidades. E terá bastante dificuldade ao enfrentar novas situações uma vez que não tem as ferramentas necessárias.
Portanto, além do tempo, também devemos considerar o conhecimento. Podemos traduzir o conhecimento como o conjunto de ferramentas que um profissional possui em seu cinto de utilidades. Se uma pessoa conhece apenas uma ferramenta, ela a usará para resolver todos os problemas. É como diz a lei do martelo: para um martelo, tudo parece um prego. Essa lei é atribuída a Abraham Maslow, psicólogo americano bastante conhecido pelo conceito da pirâmide de hierarquia de necessidades.
Quanto mais ferramentas alguém tiver, mais fácil será enfrentar novas situações e encontrar soluções. Essa é a razão pela qual os consultores são tão versáteis. Eles trabalham por curtos períodos de tempo em clientes diferentes, enfrentando problemas diferentes e precisam criar maneiras de resolver novos problemas, já que cada novo cliente em que trabalha tem problemas e contextos diferentes.
Às vezes, uma consultora com 3 anos de experiência, trabalhando em 6 clientes diferentes, terá muito mais ferramentas em seu cinto de ferramentas do que alguém que permaneceu na mesma empresa por 10 anos. A consultora provavelmente será mais sênior do que a pessoa que ficou por 10 anos na mesma empresa, fazendo o mesmo trabalho e resolvendo os mesmos problemas sem se questionar e buscando continuamente melhorar, melhorar e experimentar coisas novas.
Para avaliar a antiguidade de alguém – inclusive quando estamos autoavaliando nossa própria senioridade – precisamos olhar para anos de experiência e a qualidade do conhecimento acumulado durante esses anos. Contudo, isso não é suficiente.
O comportamento é uma dimensão da senioridade que normalmente não é discutida quando avaliamos a senioridade de alguém, mas é tão importante quanto tempo e conhecimento. Às vezes tenho a impressão de que é ainda mais importante que tempo e conhecimento.
A senioridade comportamental significa que a pessoa sabe como se comportar adequadamente:
Vou dar alguns exemplos e contraexemplos de senioridade comportamental para tornar o conceito mais claro:
Acredito que com esses dois exemplos e contraexemplos fica mais claro o que significa senioridade comportamental.
Na minha opinião, esta é a dimensão mais importante de senioridade. Se você tem alguém com senioridade em conhecimento e muitos anos de experiência, mas sem senioridade comportamental, ela não só terá maiores chances de ter um desempenho ruim, como também interferirá no desempenho de sua equipe.
Portanto, da próxima vez que você estiver avaliando o nível de senioridade de alguém – inclusive quando estiver avaliando sua própria senioridade –, avalie anos de experiência, qualidade do conhecimento acumulado durante esses anos e a senioridade comportamental. Somente então você poderá avaliar completamente o nível de senioridade dessa pessoa.
No próximo capítulo vamos entender um pouco mais sobre a carreira de produtos.
Estou publicando os 30 capítulos do meu mais novo livro, Liderança de produtos digitais: A ciência e a arte da gestão de times de produto, um por semana. Caso você queira ler o livro completo, pode adquiri-lo diretamente da editora. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: