Este é o primeiro capítulo da sessão Definições e requisitos. Antes mesmo de definir gestão de produtos de software, vamos começar do começo, ou seja, definindo o que é software e o que é um produto de software. Em seguida, falarei sobre o que é gestão de produtos de software e quais são as principais características para ser um bom gestor de produtos.
Abordarei também as diferenças entre gestor de produtos e product owner, e quando é o momento certo para uma empresa ter um gestor. Por fim, darei algumas dicas de liderança para gestores de produtos que têm responsabilidade de liderar sem ser “chefes” de ninguém.
Preparado? 🙂
Antes mesmo de definir produto de software, acho que seria bom definirmos o que é software. De acordo com a Wikipédia (https://en.wikipedia.org/wiki/Software):
SOFTWARE
Software é qualquer conjunto de instruções que direciona o processador de um computador (o hardware) a executar operações específicas.
Ótimo, já temos então uma definição de software, mas o que é então um produto de software?
Nesse artigo da Wikipédia, existe até uma comparação do software com a música, em que os instrumentos musicais estão para o hardware como a música produzida nesses instrumentos está para o software. Achei essa comparação interessante.
Você certamente já usou algum produto de software, afinal, a internet é feita de produtos de software. Google, Facebook e Twitter são bons exemplos que você certamente já utilizou, e talvez use diariamente. Quando você faz compras na Amazon ou no Submarino, também está usando um produto de software. O sistema de internet banking do seu banco também pode ser considerado um, assim como a Netflix, que você pode acessar do computador, do smartphone, do tablet ou mesmo direto de sua TV.
O iOS e o Android, sistemas operacionais de smartphones, são produtos de software. Existem também os produtos de software não online: os mais conhecidos, como o Office, Autocad, SAP e outros; e os menos conhecidos, aqueles softwares embarcados, que vêm dentro de hardwares que não são nem computadores, nem tablets, nem smartphones, mas sim dentro da impressora, da TV, de consoles de videogame, da urna eletrônica, de equipamentos de rede como roteadores, switches, hubs e firewalls etc.
PRODUTO DE SOFTWARE
Um produto de software é qualquer software que tenha usuários.
Então, todo software pode ser considerado um produto de software? Não, pois existem softwares que não têm usuários. São os softwares que fazem interface com outros softwares. Alguns exemplos são:
Contudo, mesmo esse tipo de software se beneficiaria dos conceitos e das práticas da gestão de produtos de software que abordarei neste livro.
Podem-se classificar os produtos de software de diferentes formas, dependendo de como os enxergamos. Podemos olhar, como descrito anteriormente, para a forma como o produto é entregue aos usuários (como online, não online e embarcado), ou de acordo com o que ele faz: e-mail, comércio eletrônico, pagamento, e-mail marketing, gestão de conteúdo, educação, comunicação, colaboração, relatório, entretenimento, sistema operacional, ERP, CRM etc.
Outra forma – que é a que prefiro, pois coloca o usuário no centro – é olhar e classificar produtos entendendo para quem o produto resolve o problema. Deste ponto de vista, podemos ter três tipos de produto de software:
Note que, na descrição de cada um desses tipos, tive a preocupação de deixar claro quem paga a conta. Isso é muito importante, pois todo produto de software tem custos. Por mais acessíveis que sejam esses custos, eles existem; logo, todo produto de software precisa gerar receita de alguma forma.
Mesmo eu preferindo a classificação dos produtos de software entendendo para quem o produto resolve o problema, as outras formas de se classificar também são válidas, e não são excludentes. Por exemplo, a Netflix é um produto de software para o usuário final, mas também é um produto de software online de entretenimento.
Essas categorizações têm um impacto direto no trabalho diário do gestor de produtos, ou seja, diferentes tipos de produtos requerem diferentes tipos de habilidades de gestão de produtos. Gerenciar um ERP é diferente de gerenciar um produto de marketing por e-mail. Gerenciar um produto online é diferente de gerenciar um produto de aplicativo móvel. Gerenciar um produto de consumo é diferente de gerenciar um produto para empresas.
Recentemente, percebi outra maneira de categorizar não apenas o produto de software, mas também a empresa proprietária do produto de software, e essa categorização tem um ENORME impacto não apenas na maneira como um gestor de produtos gerencia seu produto, mas também no papel do gestor de produto na organização que possui o produto.
Empresas digitais
Todos conhecemos empresas digitais. Google com seus principais produtos, Google Search e GMail. Amazon Web Services. Facebook. Instagram. WhatsApp. SAP. Salesforce. Zendesk. As empresas em que trabalhei (Locaweb e Conta Azul). Todas essas empresas vendem seus produtos de software para seus clientes. O produto é o núcleo da empresa. Se não houver produto de software, não há empresa. Você consegue imaginar o Google sem o software de pesquisa do Google? Ou o Instagram sem o aplicativo Instagram? Ou o Zendesk sem o software do Zendesk?
Nessas empresas, a gestão de produtos é o núcleo da empresa. A gestão de produtos é responsável por definir uma boa parte – se não toda – da visão e da estratégia da empresa. O papel do gestor de produtos nesta empresa é principal.
Empresas tradicionais
Na outra ponta do espectro, há o que podemos chamar de empresas tradicionais. Essas empresas vendem produtos e serviços que não são software. No entanto, todas elas estão, de uma forma ou de outra, passando por algum tipo de transformação digital, ou seja, aprendendo a usar a tecnologia digital para melhorar seus negócios. Estes são alguns exemplos de melhorias que podem resultar do uso de tecnologias digitais:
Vou citar alguns exemplos brasileiros conhecidos. O Itaú, um dos maiores bancos brasileiros, fundado em 1924, está investindo muito para se tornar digital, com o Internet Banking e seu aplicativo. De tempos em tempos, eles lançam campanhas de TV para mostrar essa transformação. O Itaú tem 91 anos. A Magazine Luiza, uma rede de varejo física fundada em 1957, também investe muito em sua presença digital. Eles são bem conhecidos no Brasil por sua presença online e seu aplicativo.
Outros bons exemplos de empresas tradicionais que investem em presença digital são companhias aéreas e hotéis. Eles têm sites e aplicativos para que os clientes possam comprar passagens, fazer reservas e interagir com seus clientes.
Nas empresas tradicionais, seus produtos ou serviços existem e provavelmente existiram por muito tempo sem a tecnologia digital. Executivos e acionistas estão começando a entender como as tecnologias digitais podem impactar seus negócios, e estão investindo na transformação digital. Nessas empresas, a gestão de produtos de software é um facilitador, mas não é o núcleo. Normalmente, faz parte de uma equipe chamada “a equipe digital”. Os gestores de produto terão que ganhar seus espaços, mostrando como a tecnologia pode impactar os negócios.
O terceiro tipo de empresa: empresas tradicionais nativas digitais
Esses tipos de empresas possuem produtos ou serviços tradicionais que podem existir sem tecnologia. Entretanto, como elas incluem a tecnologia desde o início como uma capacidade estratégica, elas são empresas digitais.
Elas são consideradas empresas de tecnologia e, de certa forma, são. A tecnologia está no centro de sua estratégia. Por outro lado, quando olhamos mais de perto, o produto delas não é tecnologia. Seus produtos são ativados e potencializados pela tecnologia digital. Os produtos da Amazon são mercadorias (livros, computadores, telefones celulares etc.). O produto da Netflix e do YouTube é conteúdo de vídeo. O produto do Spotify é conteúdo de áudio. O Airbnb é um negócio de propaganda que gera conexões com as residências oferecidas para aluguel. O Google Adwords também é uma empresa de publicidade que gera conexões com qualquer produto ou serviço anunciado. O Nubank, um banco digital brasileiro, oferece serviços de cartão de crédito e conta bancária, como qualquer outro banco. O serviço principal da Uber e da Lyft é o transporte. Rappi, um serviço de entrega colombiano, e iFood e GrubHub, serviços de entrega de comida, são o que acabei de escrever, serviços de entrega. O Gympass oferece acesso a mais de 50.000 academias e estúdios em todo o mundo.
Seus produtos não são tecnologia. Seus produtos não são software. A tecnologia e o software digitais viabilizam e potencializam seus produtos. Por esse motivo, a gestão de produtos é muito importante, mas não é central para a definição da visão e estratégia da empresa. Os gestores de produto terão um papel muito importante na definição e execução da visão e estratégia da empresa, mas não terão um papel central.
Cada vez mais vemos produtos de software que podem ser classificados como plataformas. Exemplos não faltam, desde grandes empresas de tecnologia como:
Aliás, algumas dessas empresas têm mais de uma plataforma, como Google, Apple e Amazon.
Além dessas grandes empresas de tecnologia, existem também os exemplos mais recentes:
Existem também exemplos de plataformas que não são necessariamente baseadas em tecnologia como os shoppings, que colocam lojas, restaurantes e cinemas próximos às pessoas que querem comprar, comer e se divertir.
O que são plataformas?
Plataformas podem ser definidas como:
PLATAFORMA
Sistemas que, quanto mais pessoas usam, mais são valorizados.
São sistemas fortemente baseados no conceito de efeito de rede (network effect). Efeito de rede é o valor que os usuários de um determinado software obtêm quando outros usuários também utilizam o software.
Existem dois tipos de plataforma:
Plataforma tecnológica: onde a plataforma é o sistema operacional; de um lado, temos os usuários e, do outro, temos os desenvolvedores do sistema operacional: Linux, Windows e Android.
Plataforma de troca: reúne compradores e vendedores: MercadoLivre, Uber e Airbnb.
Plataforma de conteúdo: o conteúdo é o foco, e a monetização é feita normalmente por meio de anúncios (Google, Facebook e os portais de notícias).
Veja a seguir um exemplo de plataforma tecnológica com 5 lados:
É importante não confundir o conceito de plataforma no contexto de produto, com o conceito de plataforma técnica ou plataforma computacional. Uma plataforma computacional é qualquer ambiente computacional onde um software será executado. Já no contexto de produto, como definimos anteriormente, chamamos o produto de plataforma quando existem ganhos para os usuários e quanto mais usuários estiverem usando o produto.
Em um livro de 2019 chamado The Business of Platforms: Strategy in the Digital Concorrence, Innovation and Power (por Michael A. Cusumano, Annabelle Gawer, David B.Yoffie, Harper Business, 2019, https://www.amazon.com/Business-Platforms- Strategy-Competition-Innovation/dp/0062896326), os autores categorizam as plataformas em plataformas de transações, nas quais as transações acontecem (mercados, redes de anúncios, streaming, acesso a redes de casas, passageiros, academias de ginástica, etc.) e plataformas de inovação, em que um novo valor é construído sobre a plataforma (sistemas operacionais, lojas de aplicativos, AWS, etc.).
Um aspecto importante mencionado no livro é que as plataformas de transações são relativamente fáceis de serem copiadas e substituídas, enquanto que as plataformas de inovação são um pouco mais difíceis para tal devido a todo o investimento técnico que os participantes da plataforma fazem para fazer parte da plataforma. Muitas plataformas de transações evoluem para se tornar plataformas híbridas, ou seja, incorporam características de inovação para permitir que seus usuários criem novo material sobre as plataformas existentes.
Neste capítulo, vimos as definições de software, produto e plataforma digital, agora vamos descobrir o que é a gestão de produtos de software.
Este artigo faz parte do meu livro “Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software”, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: