Trabalho com produtos digitais há mais de 30 anos. Me formei em engenharia de computação no ITA no início da década de 1990 e desde então trabalho em empresas cujo core business é tecnologia. Começando com a Dialdata, minha startup de serviços de internet da época em que novas empresas de tecnologia ainda não se chamavam startups. Depois trabalhei com produtos de tecnologia na .comDominio, data center que virou Alog e depois foi comprada pela Equinix. Em seguida passei por Locaweb, Conta Azul e mais recentemente Gympass. Todas empresas de tecnologia, ou seja, que usam tecnologia para entregar valor para seus clientes.
No Gympass comecei a entender a mecânica de uma empresa em que a tecnologia e o produto digital não são o core business. O produto do Gympass é um benefício corporativo que empresas contratam para dar aos seus funcionários acesso a uma rede de academias e estúdios. No final de 2019 houve um trabalho de digitalização – e diversificação – do portfólio de produtos do Gympass, mas mesmo assim, o produto principal continuou sendo a oferta de serviços de bem-estar como benefício corporativo para empresas oferecerem aos seus funcionários.
Mesmo empresas de tecnologia têm por missão fazer “alguma coisa” por meio de tecnologia. Veja a missão da Locaweb:
Fazer negócios nascerem e prosperarem por meio da tecnologia.
E a da Conta Azul:
Impulsionar o sucesso dos pequenos empreendedores levando às pequenas empresas mais organização, controle e tempo por meio da tecnologia.
E empresas tech bem conhecidas sequer mencionam a tecnologia em suas missões:
Nossa missão é capacitar cada pessoa e cada organização no planeta para alcançar mais. (Microsoft)
Organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis. (Google)
Dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado. (Facebook)
Ou seja, a tecnologia e os produtos de tecnologia não são a missão das empresas de tecnologia, são os veículos utilizados por essas empresas para cumprirem com sua missão.
Quando me juntei à Lopes, maior empresa de consultoria imobiliária do Brasil, fundada em 1935, bem antes da existência dos computadores e da internet, comecei a entender melhor algo que eu já estava percebendo durante meu tempo no Gympass. O produto digital não deve estar no centro da empresa. A empresa não gira em torno do produto, mas sim o contrário, o produto digital está ali para servir a empresa e seus clientes, para potencializar os seus resultados e para ajudar a cumprir com sua missão que, no caso da Lopes, é:
Ajudar as pessoas a conquistarem o seu lugar.
Um dos produtos que estavam sendo desenvolvidos quando comecei a trabalhar na Lopes era o “MVP” do app dos corretores. Coloco o MVP entre aspas pois esse app já estava em desenvolvimento há 5 meses e ainda faltava mais 1 ou 2 meses para terminar e ser disponibilizado para uso.
Quando comecei a conversar com as pessoas para entender qual era o problema principal que o app iria resolver, descobri que o foco era fazer com que o lead, ou seja, a informação sobre uma pessoa interessada em um imóvel, chegasse o mais rápido possível na mão das corretoras e corretores pois, quanto mais rápido essa corretora entrasse em contato com essa pessoa e engajasse em uma conversa sobre suas necessidades, maiores as chances de esse engajamento evoluir para uma possível venda de um imóvel. Daí surgiu a ideia de fazer um MVP de um app com push notification para alertar a corretora sobre o lead.
Nesse ponto, foi criado um time de app para corretores e começaram a pensar sobre essa jornada da corretora recebendo esse lead através do push notification. Quando a corretora recebe esse lead, ela precisa consultar os dados desse possível cliente no sistema da Lopes e, se a pessoa ainda não estiver cadastrada, cadastrar seus dados no sistema. E pronto, surgiu mais uma funcionalidade que o “MVP” tinha que ter antes de ser lançado, busca e cadastro de clientes. Pensando mais na jornada da corretora, é muito comum ao receber o lead e entender a necessidade desse potencial cliente, fazer uma busca na base de imóveis para poder enviar outras opções de imóveis. E pronto, mais uma funcionalidade mínima obrigatória para o “MVP” do app de corretores, a busca de imóveis. Ao ponto de ter sido desenvolvido para esse “MVP” a possibilidade de desenhar com o dedo em um mapa a região para a busca de imóvel.
Ao colocarmos o produto no centro, as pessoas passam a se preocupar com o produto e com suas funcionalidades. E é daí que vem a cobrança por entrega de funcionalidades. No desenho do escopo mínimo de um MVP, a discussão acaba girando em torno das funcionalidades “mínimas”. Até mesmo quando usamos o termo MVP, o foco é no produto mínimo.
Ok, está claro que ao colocar o produto no centro, acabamos potencializando algumas armadilhas que podem atrapalhar a nossa entrega de resultado. Então o que devemos colocar no centro? O resultado esperado. No exemplo acima, o resultado esperado era fazer os leads chegarem o mais rápido possível nas mãos das corretoras para que elas pudessem entrar em contato com o possível cliente o quanto antes e engajá-lo em uma conversa com potencial de venda de imóvel.
Se notarmos na descrição do resultado esperado, não há menção a app, push notification, cadastro de cliente, nem busca de imóveis. O resultado esperado é fazer o lead chegar o mais rápido possível nas mão das corretoras. Se nos focarmos mais no problema veremos que há outras possíveis soluções além do app para corretores. Podemos enviar notificações via SMS ou WhatsApp, algo bem mais simples e rápido de desenvolver do que um app. E provavelmente com alcance maior, pois todos os celulares aceitam SMS e a maioria das pessoas no Brasil têm WhatsApp, enquanto um app precisa ser baixado pelo usuário. Fizemos a implementação de notificação via SMS e em 10 dias todos os corretores passaram a receber essas notificações. Entrega de valor para os corretores, para os potenciais clientes e para Lopes bem mais rápida do que no “MVP” de 5 meses do app de corretores.
Por isso tenho repetido com frequência que produto, app, site, tecnologia, dados, algoritmos não são o fim, não são o objetivo, são veículos para se atingir o ogjetivo de entrega de valor. E devem ser tratados como tal. Fazer o lead chegar mais rápido na mão das corretoras pode ser feito por push notification em um app para corretores, mas também pode ser feito por notificação SMS ou WhatsApp. O veículo importa menos do que o valor, e o resultado entregue.
Quando temos um time de app para corretores, com pessoas de engenharia, design e gestão de produtos, o principal veículo que as pessoas desse time conhecem para entregar valor para os corretores é o app que elas cuidam. Por esse motivo fizemos uma mudança aqui na Lopes na estrutura de times. Saímos de times por produto como o time de app para corretores para times por atores do nosso negócio, e criamos o time de corretores e franquias que tem por foco entregar valor para corretores e franquias, não importando o veículo de entrega desse valor. Pode ser por um sistema web, um app, notificação via SMS, chatbot, etc. O que importa é entregar valor, e resultado, para corretores e franquias o mais rápido possível.
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