Uma das perguntas mais importantes do questionário de análise de oportunidade que vimos no capítulo anterior é a pergunta: “Como vamos medir o sucesso e ganhar dinheiro com esse produto?”. Ela trata de dois assuntos: métricas e receita. Veremos sobre métricas no capítulo Crescimento: seja um “data geek”. Agora vamos falar sobre receita.
Todo desenvolvimento de software tem custo. Quando esse software é um produto de software – ou seja, é um software que tem usuários –, o produto tem, além do custo de desenvolvimento, o custo de operação, que é o custo de fazer esse software chegar até os usuários e, a depender do tipo de produto, de armazenar dados desses usuários.
Antes da internet, os produtos de software eram vendidos em caixas com manual e disquetes, ou CDs de instalação. A receita vinha da venda dessas caixas com o software. Algumas empresas chegam a cobrar uma taxa anual de manutenção, que dá aos clientes o acesso a versões mais novas à medida que ficam disponíveis. Esse produto de software roda nos computadores do cliente, isto é, todo custo de operação é de sua responsabilidade. O fabricante recomenda uma configuração mínima de equipamento para rodar esse software e o cliente é que se preocupa em ter, configurar e manter esse equipamento.
Além disso, administrar esse produto de software também é de sua responsabilidade, como também garantir que ele esteja rodando em equipamento com espaço em disco e memória suficientes, e que os dados gerados estejam seguros e tenham backups. A receita proveniente da venda desse produto de software serve para pagar seus custos de desenvolvimento e de distribuição.
Com a internet, veio a possibilidade de oferecer softwares para serem usados de forma remota. Passou a ser possível usar um software que não está mais rodando no equipamento do cliente e que não precisa ser administrado por ele. É o que estamos chamando aqui de produto de software. Nesse novo modelo de comercialização, não há somente a venda do software, mas também do serviço de sua operação. Mesmo as apps dos smartphones, que rodam nos telefones dos usuários, têm em sua maioria algum componente online, isto é, buscam e armazenam dados em servidores remotos, que também trarão custos de operação.
Todo produto de software tem custos para desenvolver o software mais custos de operá-lo. Para cobrir esses custos, é necessário ter algum tipo de retorno com seu produto de software que os compense.
Basicamente, existem 3 formas de se ter receita com um produto web:
É o modelo usado na maioria dos produtos web para empresas, tais como os produtos oferecidos pela Locaweb, Google AdWords, MailChimp, entre outros. Nesse caso, a receita vem do pagamento periódico (mensal, anual etc.) pelo uso do software via web. Outra opção bastante comum é o pagamento por uso (mais adiante falarei um pouco mais sobre essas formas de pagamento).
A receita paga pelo usuário é também uma forma usada por alguns produtos de software para consumidor final, mas é mais difícil cobrar desse tipo de usuário, sendo alguns exemplos o Netflix, o LinkedIn e o Dropbox. Para entender como é difícil cobrar de um consumidor final, imagine-se pagando para usar a busca do Google. Mesmo o consumidor final percebendo muito valor em um produto web, é difícil justificar para esse tipo de usuário que ele deve pagar para usar.
Nesse modelo, normalmente não se cobra do usuário do produto, mas sim de alguém que está interessado nele. Esse modelo é bastante usado em produtos para consumidor final. Normalmente, o modelo de negócio é a venda de anúncio. Um exemplo é o Google, que permite que qualquer pessoa use a busca, e cobra de empresas a possibilidade de colocar anúncios junto com os resultados da pesquisa.
Outro exemplo similar é o Facebook, que também oferece acesso gratuito aos usuários, e cobra por anúncios de empresas interessadas em fazer propaganda para seus usuários. Outra forma de receita é a venda de relatórios baseados nos dados de uso. Além de anúncios e da venda de relatórios, outra opção de receita e permitir que outras empresas vendam serviços para sua base de clientes e compartilhem a receita. Um exemplo é o Guia Bolso, aplicativo gratuito que permite controle financeiro e que oferece opções de crédito para seus clientes, crédito oferecido por instituições financeiras que dividem com o Guia Bolso parte da receita gerada com os empréstimos.
Um ponto importante a ser ressaltado é que, para conseguir ser interessante para alguém ao ponto de ele querer pagar para ter acesso ao seu usuário, você precisa ter uma quantidade muito grande de usuários. Pense em centenas de milhares, que retornem com frequência para usar seu produto web.
Para atrair centenas de milhares de usuários de forma paga, você provavelmente vai investir bastante dinheiro, então terá de buscar formas gratuitas de divulgar seu produto. Além disso, este deve promover o retorno frequente de usuários, pois assim você terá uma audiência que será de interesse para quem quiser pagar para falar com eles.
Para tornar sua base de usuários ainda mais atraente para possíveis anunciantes, você deve buscar conhecer bastante sobre seus usuários, como dados demográficos, comportamento e preferências. Assim, você pode oferecer maior assertividade e eficiência para os anunciantes.
É a receita que você obtém como resultado do uso do software, mas que não é paga pelo seu uso. Existem basicamente dois tipos de receita indireta:
Quando há pagamento pelo uso de um produto, este pode ser feito de duas formas:
Pagamento por uso: nesse caso, paga-se pelo uso do produto que deve ter uma forma muito fácil de ser medida e acompanhada. Por exemplo, em um produto de e-mail marketing, que permite o disparo de mensagens de e-mail para uma lista de endereços, pode ser cobrado pela quantidade de mensagens enviadas. Outro bom exemplo é o pagamento de anúncios, que podem ser pagos por exibição, por cliques ou ainda pela conversão do anúncio. A comissão cobrada pelos sites de intermediação de venda de itens físicos como eBay, MercadoLivre e Elo7 é outro exemplo, como também a cobrança feita pelo Skype para fazer ligações para telefones fixos e celulares.
É possível ainda ter um modelo misto, com pagamento periódico mais pagamento por uso. Um bom exemplo é um produto para telefonia via internet, em que você pode cobrar uma mensalidade para ter acesso ao produto, mais uma cobrança por ligações feitas, sendo o caso do PABX Virtual da Locaweb. Outro exemplo é um produto que oferece a possibilidade de seu usuário ter uma loja virtual. Nesse caso, pode-se cobrar uma mensalidade mais uma taxa de uso baseada na quantidade de vendas que seu cliente faz usando essa loja.
Nos capítulos O que é um produto de software? e O que é gestão de produtos de software?, falei sobre um tipo diferente de produto de software, as plataformas, sistemas que são mais valorizados quanto mais pessoas usam. Expliquei o que as diferenciam de um produto, e quais as diferenças entre gerenciar um produto e uma plataforma.
Agora que vimos como obter retorno com um produto de software, perguntas que ficam são: como funciona a precificação da plataforma, onde tenho interesse que muitas pessoas usem para que ela seja mais valorizada? E, em alguns casos de plataforma, tenho pessoas de grupos diferentes (compradores e vendedores, desenvolvedores de apps e usuários de smartphones). O ideal em uma plataforma seria não cobrar nada de ninguém, para garantir o maior número de usuários; entretanto, se eu não cobrar nada, como cobrirei os custos do seu desenvolvimento e de sua operação? São quatro pontos que devemos levar em conta sobre precificação de plataforma: quem, o quê, quanto e quando devemos cobrar.
A primeira resposta a essa pergunta é simples: quem for menos sensível ao preço. Se você tem uma plataforma de dois lados, identifique qual dos dois é menos sensível a um preço; este será o lado com maior disposição para pagar por uma plataforma. O lado mais sensível é o que queremos subsidiar.
Por exemplo, se você estiver gerenciando uma plataforma que conecta advogados com possíveis clientes, é bem provável que o lado menos sensível ao preço sejam os advogados, por terem margens altas. Por outro lado, suponha que você esteja gerenciando uma plataforma que conecta fornecedores de equipamentos e materiais químicos – que têm pouca margem em seus preços – com possíveis compradores; talvez faça mais sentido cobrar dos compradores, devido à baixa margem dos fornecedores.
Contudo, como disse anteriormente, essa é só a primeira resposta. Há outros fatores a serem considerados:
Há vários fatores para se levar em consideração. Em alguns casos, os dois lados podem estar dispostos a pagar; em outros, somente um. Casos como Google e Facebook são mais simples de analisar:
Por outro lado, casos como sites de leilão, de emprego, de busca de táxi, e de imóveis para compra ou aluguel já são mais complexos:
Normalmente, as pessoas estão dispostas a pagar por algo quando enxergam o valor e o benefício que esse algo traz para elas.
Existem 3 benefícios que podem ser cobrados em uma plataforma:
É possível fazer combinações dessas formas de cobrança. Por exemplo, cobrar uma taxa mensal de acesso mais uma taxa de uso, ou um percentual.
Para responder a essa pergunta, precisamos pensar no lock-in, que significa que um usuário de sua plataforma tem chances menores de parar de usá-la quanto mais ele usar e enxergar benefícios no seu uso. O custo de troca é o que explica o lock-in; quanto maior o custo de troca, maior será o lock-in. Outro ponto importante para levar em consideração quando estamos definindo quanto cobrar pela plataforma é o efeito de rede, ou seja, quanto valor geramos para o usuário ao termos mais pessoas usando a plataforma. Normalmente, o valor a ser cobrado por uma plataforma, quer seja acesso, uso e/ou taxa, reflete no lock-in e no efeito de rede.
Geralmente, esses valores mudam ao longo do ciclo de vida de uma plataforma. No começo, quando há poucos usuários, e o lock-in e o efeito de rede ainda são pequenos, é muito provável que se tenha que subsidiar o seu uso.
O Dropbox pode ser visto como uma plataforma de um lado só (single-sided platform), onde o benefício do efeito de rede aparece quanto mais usuários o usarem para troca de arquivos. O custo de troca aumenta à medida que você coloca mais arquivos no Dropbox e tem mais conhecidos com quem trocar esses arquivos por lá. Esse é o motivo por ele cobrar por GB e incentivar a convidar amigos para também o usar. Esse incentivo, dando GBs de graça para você e para os amigos que convidar, é a forma de subsídio que o Dropbox usa para poder aumentar o lock-in e o efeito de rede de sua plataforma.
Outro exemplo interessante é o de um serviço de monitoração de avalanches, que lançou uma plataforma na qual resorts de esqui compartilhariam dados sobre condições meteorológicas para poder prever avalanches com maior acurácia. Para poder participar desse sistema, o resort teria de instalar um monitor, e esse processo de instalação tinha um custo considerável.
A plataforma pretendia cobrar também uma mensalidade para os resorts poderem usá-la. O problema é que eles não se sentiam confortáveis em pagar a mensalidade tendo já pago o custo da instalação do equipamento de monitoração. Além disso, não queriam pagar mensalidade no verão, quando há poucas avalanches e os resorts têm baixa ocupação. A solução encontrada foi subsidiar a instalação dos monitores nos resorts e fazer a cobrança anual em vez de mensal, com preço variando por profundidade da análise feita.
Para cobrança por acesso à plataforma, pode-se cobrar uma única vez ou periodicamente. Por periodicidade, pode-se variar do mensal até a cobrança por múltiplos anos. Não é incomum ver casos em que há múltiplas opções de período (por exemplo, mensal e anual), em que se oferecem descontos nos preços com período maior. Em alguns casos, períodos maiores podem ser a única forma de mostrar o benefício do longo prazo de sua plataforma, ou de afastar preocupações com a sua utilidade sazonal, como no caso do serviço de monitoração de avalanches.
Para cobrança por uso, o mais comum é fazer essa cobrança de forma periódica, ou seja, a cada período é avaliado quanto foi usado e é feita a cobrança. O período mais comum é o mensal.
Um cuidado deve ser tomado em relação a modelos de cobrança mistos, com cobrança por acesso mais cobrança por uso. Se você fizer cobrança por acesso anual, avalie se você poderá fazer também a cobrança por uso anual, ou se é melhor cobrar pelo uso mensal ou trimestralmente.
Já na cobrança de taxa ou percentual, o mais indicado é que ela ocorra no evento da transação. Caso haja uma frequência alta de eventos de transação em um mês, uma outra opção é cobrar essa taxa mensalmente.
Todo produto de software tem custos de desenvolvimento e de operação, e é preciso cobri-los de alguma forma. Vimos diferentes formas de se obter retorno com o produto e entendemos as diferenças entre produto e plataforma no que se refere à obtenção de receita.
Este artigo é o 12º capítulo do meu livro Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: