Em algum momento durante a fase de crescimento do seu produto, pode ser útil criar a visão e a estratégia do produto. Essas ferramentas ajudarão muito nas decisões sobre qual será o futuro do seu produto. Por este motivo, vou explicar neste capítulo o que é e para que serve sua visão e sua estratégia.
Visão do produto é a razão de existir do produto. É o que deve nortear todas as decisões em relação a esse produto. O que dá o contexto para o time de desenvolvimento do produto tomar decisões sobre o que priorizar em relação ao produto. Vale lembrar de que, quando falo “produto”, estou me referindo a qualquer software que tenha usuários.
Lembrando da definição de gestão de produtos, um produto deve ao mesmo tempo atender aos objetivos estratégicos que o dono do produto tem para esse produto enquanto ele resolve problemas e necessidades de seus usuários. Pronto, esses dois elementos são o que você precisa para fazer a sua visão do produto.
A visão do produto será criada juntando esses dois elementos, o entendimento dos objetivos do dono do produto e os problemas e necessidades do usuário do produto. Sendo assim, o primeiro passo para criar a sua visão do produto é ter bem claro quais os objetivos que o dono do produto tem para ele.
Por exemplo, um banco pode querer, com um sistema de Internet Banking, reduzir a necessidade de atendimento em agências. Um laboratório de análises clínicas e de imagem, com um sistema de consulta de resultados, pode querer diminuir os custos operacionais de manuseio e envio de resultados.
Em seguida, é preciso entender quais são os problemas e necessidades que esse produto vai resolver a partie de seus usuários, qual o contexto onde esses problemas e necessidades acontecem e qual a motivação que esses usuários têm para querer ter esse problema ou necessidade resolvido.
Uma ferramenta bacana para entender o usuário é o mapa de empatia.
Esse mapa ajuda a dar foco nas diferentes percepções que o usuário pode ter:
Outra ferramenta muito útil é a persona, que representa um grupo de usuários com padrões de comportamento, atitudes e motivações similares em termos de decisão de compra, de uso de tecnologias ou produtos, de estilo de vida etc.
As personas são usadas para:
A figura a seguir mostra como construir uma persona:
O primeiro passo é definir um nome e algumas características dessa persona. Isso ajuda nas conversas sobre o produto. No nome, é bacana já dar uma dica da característica principal. Por exemplo, Maria, a descolada ou Michelle, a ocupada.
Se você estiver fazendo um produto para Michelle, a ocupada e quiser inserir uma nova funcionalidade, vale a pergunta: “Será que Michelle, a ocupada vai conseguir usar essa funcionalidade? Ela a achará útil o suficiente para achar tempo para aprender a usá-la?”.
Além do nome e características básicas, é importante também descrever seus comportamentos e seus problemas. Os exemplos a seguir deixarão mais claro o conceito de persona.
Maria, a descolada é uma das personas que usávamos na Locaweb. Dados os diferentes produtos que temos em nosso portfólio, acabamos construindo oito personas. Contudo, para cada produto de nosso portfólio, tínhamos uns 3 ou, no máximo, 4 personas, sendo que uma destas era a persona primária do produto, ou seja, para quem todas as suas decisões de seu produto de software são tomadas.
Como parte do entendimento do problema ou necessidade que seu usuário espera ver resolvido pelo seu produto, é muito importante você mapear quais as alternativas que existem hoje para ele ter esse problema ou necessidade resolvido. No caso de produtos comerciais, são os concorrentes. No caso de produtos que são sistemas sem objetivos diretos de receita, como o internet banking ou o sistema de consulta de resultado de exames, são as alternativas existentes como ir ao banco ou ao laboratório, acesso ao banco por telefone, envio de resultados por correio etc.
Esse mapeamento de alternativas é muito importante para você entender como seu usuário se vira sem o seu produto como no que essas alternativas são melhores e no que elas são piores do que o produto que você cuida.
Tanto o mapa de empatia, a persona quanto o mapeamento de alternativas podem e devem ser criados em conjunto com pessoas de UX, de engenharia e de marketing de produtos.
Pronto, você já tem todos os elementos para criar a visão do seu produto:
Vale lembrar de que, para obter esses elementos, o gestor de produtos terá de usar muita empatia para conversar com os donos do produto e entender seus objetivos, e para conversar e entender o seu cliente.
Com esses elementos em mãos, você está pronto para criar a sua visão, que nada mais é do que deixar claro esses elementos. Simples, né? Seria algo mais ou menos assim:
O (nome do dono do software) decidiu ter esse software para (objetivos do dono do software em ter esse software). Esse software é usado por (descrição das pessoas que usarão o software) que, ao usar esse software, espera resolver (problema ou necessidade que o usuário espera resolver) de uma forma melhor do que (alternativas existentes).
(Incluir mais informações sobre o problema ou necessidade, incluindo contexto e motivação para ver resolvido).
Por favor, não dê copiar + colar nesse texto! Crie sua própria visão do produto, que não precisa ser um texto. Pode ser uma apresentação ou um vídeo. Lembrando de que a visão do produto é a razão de existir do produto. É o que deve nortear todas as decisões em relação a ele.
À medida que você obtém sua visão do produto mais clara, é importante circulá-la dentro de sua empresa para obter informações, feedback e perguntas. Ao fazer isso, você terá a chance de concluir a visão do produto, além de obter o alinhamento e a adesão de todas as partes interessadas.
Aqui está um exemplo de banco em que o proprietário decidiu criar um aplicativo de internet banking para diminuir o custo de construção, contratação de pessoal e manutenção de agências bancárias físicas:
O XYZ Bank decidiu ter um aplicativo de internet banking para reduzir os custos operacionais das agências bancárias.
Este software é utilizado por correntistas que, ao utilizarem este software, esperam resolver suas necessidades bancárias (ver saldo e relatório da conta, pagar contas, fazer investimentos, etc.) de uma forma melhor do que quando visitam as agências do banco.
Durante meu tempo na Locaweb, montamos a seguinte visão de produto para o produto Email da Locaweb:
O produto Email da Locaweb será a solução de email mais completa e flexível do mercado brasileiro.
Construímos a visão do produto Conta Azul como uma imagem porque com a imagem era mais fácil explicar todos os elementos do que víamos como o futuro do produto Conta Azul.
Mais uma vez, preferimos uma imagem em vez de palavras. O ditado que uma imagem vale mais que mil palavras tem uma razão de existir.
Uma vez que você tem em mãos a visão do produto, provavelmente vem um pensamento a mente, algo na linha de: “hum, acho que meu produto ainda está distante da visão”. E a pergunta subsequente é: “como fazer com que meu produto chegue mais perto da visão?”. É aí que entra a estratégia do produto, ou seja, que passos serão dados para aproximar o produto da visão.
Uma boa ferramenta para ajudar a construir a estratégia do produto é a análise SWOT, sigla em inglês para Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats, ou pontos fortes, fracos, oportunidades e ameaças.
Os pontos fortes e os pontos fracos são itens internos (ou seja, do seu time de desenvolvimento de produto, ou da sua empresa) sobre as quais você, seu time ou sua empresa têm algum controle, que ajudam ou atrapalham o seu produto atingir a sua visão. As oportunidades e ameaças são os elementos externos à organização, ou seja, sobre os quais a organização não tem controle, e que podem influenciar positiva ou negativamente o atingimento da visão do produto.
Preencher o SWOT deve ser também um trabalho de equipe, ou seja, o gestor de produto deve ter uma ou mais sessões junto com pessoas de UX, engenharia e marketing para construir o SWOT do seu produto. É provável que sua organização também tenha feito uma análise SWOT para a organização como um todo. É um ótimo input para o SWOT do seu produto.
Tendo em mãos o SWOT preenchido, é hora de desenhar a estratégia do seu produto. A estratégia do produto nada mais é do que um roadmap de curto, médio e longo prazo. Longo prazo?
Você certamente está pensando que, como vocês adotaram metodologias ágeis no time de desenvolvimento de produto, não faz mais sentido ter um roadmap de longo prazo, nem de médio prazo. Na verdade, faz sim, mas não no sentido clássico de roadmap como lista de funcionalidades, mas sim usando o roadmap como lista de prioridades, lista de pontos de foco que devem ser vistos para fazer com que o produto se aproxime da visão.
Com o SWOT preenchido, você deve olhar para cada um dos itens em cada um dos quadrantes, junto com o time (UX, engenharia, marketing de produto), e avaliar qual o impacto dele na visão de produto que vocês criaram. Existem pontos fortes devem ser reforçados? Se sim, quais devem ser reforçados primeiro? Existem pontos fracos a serem combatidos? Se sim, quais devem ser combatidos primeiro? Existem oportunidades a serem aproveitadas? Se sim, quais devem ser aproveitadas primeiro? Existem ameaças a serem combatidas? Se sim, quais devem ser combatidas primeiro?
Essa análise te ajudará a definir as motivações, os objetivos, ou seja, os macrotemas do seu roadmap. Lembrando de que roadmap = motivação + métrica, o que agora está sendo popularizado com a sigla OKR (Objectives and Key Results), tema de um futuro artigo. Essa análise te ajudará a definir no que se focar agora e o que deixar para depois, sempre tendo por objetivo final chegar mais próximo da sua visão de produto. E isso é a estratégia do produto, o caminho que você e o time de desenvolvimento de produto vão percorrer para chegar na visão do produto.
Um ponto importante é que seu produto evolui à medida que o time trabalha nele. Muito se aprende sobre os usuários do produto, seus problemas e necessidades. Novas alternativas podem aparecer para ajudar seu usuário a resolver seus problemas e necessidades. O dono do software também pode revisitar seus objetivos estratégicos e, consequentemente, revisitar os objetivos definidos para o software.
Além disso, pontos fortes e pontos fracos podem mudar com o tempo, e oportunidades e ameaças podem aparecer ou sumir. Por isso é importante entender que nem a visão nem a estratégia do produto estão escritas em pedra. Elas podem e devem ser revisitadas periodicamente.
Minha sugestão é que elas sejam revisitadas anualmente, ou quando algum evento relevante acontecer, como por exemplo, quando houver uma mudança nos objetivos estratégicos da empresa, ou quando aparecer uma alternativa que resolve o problema ou necessidade do usuário de uma forma diferente da do seu produto.
Com isso, fechamos o tema sobre a fase de crescimento do ciclo de vida de um produto de software. Entendemos como lidar com feedback dos clientes, e o que é e como priorizar um roadmap. Também vimos sobre os mais variados tipos de métricas, incluindo funil de conversão, engajamento, churn, métricas financeiras globais e individuais, churn de receita e o negativo, NPS, a métrica da lealdade, algumas considerações sobre métricas. Vimos aqui o que é e para que serve a visão e a estratégia do produto, ferramentas úteis para as tomadas de decisão sobre qual será o futuro dele.
No próximo capítulo, entenderemos melhor a próxima fase do ciclo de vida de um produto de software: a maturidade.
Tenho ajudado líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders) a extrair mais valor e resultados de seus produtos digitais. Veja aqui como posso ajudar você e a sua empresa.
Este artigo é mais um capítulo do meu livro Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: