Depois da fase da inovação, supondo que seu produto conseguiu passar pelo abismo, ele chegou ao crescimento. Só que vai chegar uma hora em que seu produto entrará na fase da maturidade. Isso é inevitável, basta revermos a curva S de adoção de tecnologia em vários casos práticos:
Este gráfico foi criado e publicado por Peter Brimelow no artigo “The Silent Boom” na Forbes, edição de 7 de julho de 1997. Fiz uma pesquisa rápida, mas não consegui encontrar uma versão atualizada. Muito provavelmente Internet, PC e mobile já atingiram 100%. Talvez o que esteja crescendo agora seja Inteligência Artificial e acredito que na fase mais inicial poderíamos colocar NFT e metaverso, que parecem ainda não terem cruzado o abismo.
Por que isso acontece?
Existem três razões para um produto chegar à fase de maturidade de seu ciclo de vida:
Exaustão do mercado: Esse é o caso da TV na figura anterior. O mercado de TV amadureceu uns 30 anos depois que a televisão foi inventada, ou seja, 100% do mercado endereçável, que podia comprar uma TV, já tinha uma. Qual foi a solução que os seus fabricantes encontraram para sair da maturidade? Na verdade, eles não saíram da maturidade e, eventualmente, entraram na última fase: o fim de vida. A solução que eles encontraram foi criar novos produtos de TV que pudessem passar por todo o ciclo de vida novamente. Hoje, os ciclos de vida de tecnologia da televisão são bem mais rápidos, e a tecnologia seguinte já começa sua fase de crescimento antes mesmo de a tecnologia anterior sair dessa mesma fase. Atualmente, os fabricantes de TV já não esperam mais a exaustão do mercado para criar uma nova TV. Eles já usam a inovação como forma de forçar o produto atual a ir para a maturidade e poder gozar da fase de crescimento do novo produto.
Inovação disruptiva: É uma inovação que ajuda a criar um novo mercado e uma nova percepção de valor, e que eventualmente muda por completo um mercado existente e sua percepção de valor (ao longo de alguns anos ou décadas), tornando obsoleta a tecnologia antiga (https://en.wikipedia.org/wiki/Disruptive_innovation). Essa é a base do livro The Innovator’s Dilemma, obrigatório para todas as pessoas que trabalham com tecnologia, do Prof. Clayton Christensen, professor de Harvard e consultor sobre inovação. Inovação disruptiva é o que aconteceu com as câmeras com filme, com a chegada da câmera digital; ou com os telefones celulares que só faziam ligação de voz, com a chegada dos smartphones; com as enciclopédias tradicionais, com a criação da Wikipedia; e com os CDs e DVDs com o lançamento de serviços de download e streaming de áudio e vídeo. Às vezes, a inovação disruptiva pode ser criada pela mesma indústria, como uma estratégia para se defender do amadurecimento do mercado. É o caso da indústria de TVs que estão lançando as SmartTVs, e da indústria de telefone celulares, com o lançamento dos smartphones.
Maturidade programada: Existe ainda uma situação em que o dono do produto, em vez de esperar a maturidade acontecer, gerencia-a de forma ativa. É o caso das fabricantes de TVs que mal lançaram as TVs de plasma, logo lançaram as de LCD e, em seguida, as de LED, não dando tempo de o mercado saturar e antecipando a maturidade com a nova versão. Isso também acontece em produto de software, principalmente em software instalado, como Windows, MySQL, Nginx, Asterisk e vários outros. Antevendo a obsolescência de seu produto, seu gestor já planeja o lançamento das novas versões e o processo de fim de vida das versões anteriores. Esse processo costuma ser bem lento e, em vários casos, traumático. É o caso recente do Windows Server 2003, lançado em abril de 2003. Ele entrou em estado de maturidade programada assim que a versão seguinte do Windows Server, o Windows Server 2008, foi lançado em 2008. A partir de 2008, ele viveu na fase de maturidade; em 2010, ele deixou de ser vendido; 14 de julho de 2015 foi a data definida pela Microsoft para não dar mais nenhum suporte ao produto, ou seja, decretou o fim de vida do produto. Para produtos de software online, a maturidade programada não faz tanto sentido, pois o produto é atualizado frequentemente e o usuário normalmente não sofre com as atualizações. Claro que existem exceções, mesmo para produtos online. Existem casos em que o time de desenvolvimento de produto opta por reescrever o produto, por algum determinado motivo, e decide por lançar uma nova versão. Nesse caso, é importante entender que você estará colocando o produto atual em estado de maturidade programada e deverá gerenciá-lo como tal. Isto é, deverá planejar todo o ciclo de maturidade e de fim de vida dessa versão, incluindo pensar o que fazer com os clientes existentes da versão que entrará em maturidade programada e em como migrá-los para a versão mais nova de seu produto. Isso é algo que deve ser discutido como um dos fatores que podem influenciar na decisão do time de desenvolvimento de produto sobre partir ou não para desenvolver uma nova versão de seu produto de software.
Quando acontece?
Não é muito difícil perceber quando se está chegando à maturidade. Caso se trate de uma maturidade programada, você mesmo vai definir quando ela vai acontecer. Se não for programada, basta olhar o crescimento de seu produto e notar que ele está crescendo mais devagar. Outro ponto que acontece é que o crescimento; quando houver, será sempre orgânico, ou seja, não adianta investir em divulgação e marketing que você não terá novas vendas.
É um pouco perturbador entrar na fase de maturidade do produto, principalmente se não for uma maturidade programada. Nessa hora, começam frases nostálgicas do tipo “nos bons tempos…”, mas o importante é não desanimar. Antes de mais nada, você precisa ter certeza de que seu produto realmente chegou à maturidade, ou se há algum outro motivo para a desaceleração do crescimento. Para ter certeza de que seu produto chegou à maturidade, você deve se fazer algumas perguntas:
Ainda estamos com foco no problema? Como vimos no capítulo Inovação: foco no problema, todo produto existe para resolver um problema, e é fundamental que o gestor do produto nunca perca isso de vista. Quando um produto entra na fase de crescimento, é comum o foco mudar do problema a ser resolvido para como acelerar esse crescimento. Quando isso acontece, perde-se a principal ferramenta que pode ajudar a acelerar o crescimento, que é o foco no problema. Quando o gestor de produtos e o time de desenvolvimento de produtos perdem esse foco, as chances de o crescimento do produto começar a desacelerar são bem grandes, dando a impressão de que se chegou à maturidade. Durante anos, tivemos um forte crescimento no produto de Hospedagem de Sites da Locaweb. Como contei no capítulo anterior, em 2012 trouxemos uma consultoria especializada em precificação, que após muita pesquisa e análise, nos sugeriu mudanças em nossos planos de hospedagem para otimizar e aumentar nossa receita e nosso lucro. As mudanças foram nos limites dos planos e nos serviços inclusos. A sugestão deles foi diminuir o número de sites por plano (já eram raros os casos de clientes que hospedavam mais de um site por plano) e, para compensar, dar serviços inclusos como o WebChat, para atendimento via chat. Como eu já disse, essas mudanças acabaram não afetando em nada a receita e o lucro, e acabamos perdendo um monte de tempo e dinheiro em análises para fazer essas mudanças inócuas. Mas isso não foi o pior. Com as mudanças feitas, nosso produto de Hospedagem de Sites ficou mais longe de atender ao problema de nossos clientes. Eles passaram a considerar que o produto tinha menos da funcionalidade principal, e que nós colocamos os serviços adicionais que encareciam o produto. Nossos clientes acabaram encontrando soluções melhores no mercado. Isso afetou nosso produto, que desacelerou consideravelmente em 2013. Em função disso, decidimos, de forma mais empírica, fazer o que chamamos de reempacotamento do produto de Hospedagem de Sites, mudando os limites baseados não só em dados como também em nosso conhecimento dos clientes e de seus problemas, e em todos os nossos 15 anos de experiência com o produto. Com a mudança que fizemos, que nos custou muito menos tempo e dinheiro na sua fase de planejamento, ele voltou a crescer como no ritmo antigo. Por isso, é importante o gestor de produtos e o seu time de desenvolvimento nunca perder o foco no problema que ele resolve, e garantir que ele está resolvendo-o da melhor forma possível. Esse exemplo ilustra bem o que comentei no capítulo anterior, quando falei que, além das métricas, é preciso usar outras informações, como a experiência, a intuição, o julgamento e as informações qualitativas, para tomar decisões relacionadas ao produto. A consultoria nos fez olhar exclusivamente para métricas, fazendo-nos desconsiderar todo o nosso conhecimento empírico com o produto.
O mercado está desacelerando? Esse é um segundo ponto bem importante a ser analisado quando se observa uma desaceleração do crescimento. Como estão seus concorrentes, eles também estão desacelerando? E o mercado como um todo, está desacelerando? Existe alguma questão da economia do país ou de seu estado que podem estar impactando o seu mercado? Todas essas questões devem ser avaliadas quando você começa a perceber uma desaceleração do crescimento do seu produto.
Como dá para ver na curva de registro de domínios, a partir de meados 2013, parece haver uma desaceleração na quantidade de domínios .br registrados por ano. Naquele momento era um pouco cedo para ter certeza de que havia uma desaceleração acontecendo, mas essa informação já dava indícios. Isso nos ofuscou um pouco quando analisamos a desaceleração do produto de Hospedagem de Sites da Locaweb. Por isso, mesmo avaliando o mercado e chegando à conclusão de que ele está desacelerando, você e o time de desenvolvimento do produto nunca podem perder o foco no problema que ele resolve e em garantir que ele está resolvendo-o da melhor forma possível. Mesmo com mercado desacelerando, é possível ter crescimento se seu produto for uma excelente solução para o problema de um conjunto de pessoas.
Entre 2016 e 2017 a desaceleração parece ter ficado bem clara, não é verdade? Aquilo que em meados de 2013 parecia apenas uma possibilidade está claramente confirmado. Contudo, é preciso tomar cuidado para não confundir desaceleração circunstancial com desaceleração devido à maturidade. Como se pode ver na imagem da curva S na vida real, algumas tecnologias como o telefone, o automóvel e a eletricidade tiveram desacelerações circunstanciais antes de chegarem à maturidade. Cenários de crise econômica podem impor uma desaceleração circunstancial, ou uma aceleração circustacial. Veja abaixo o que aconteceu com a crise da pandemia, quando vários negócios tiveram que se digitalizar:
Existe substituto disruptivo? Esse é o terceiro ponto a ser considerado quando um produto começa a apresentar sinais de desaceleração do crescimento. Existe no mercado alguma categoria de produto diferente que substitui o seu? No caso que contei da desaceleração do crescimento da Hospedagem de Sites da Locaweb, existia também uma categoria de produto com forte potencial para substituir o nosso; eram os de criação de site, como o Weebly, Wix e SitePX. Desde os primeiros serviços de criação de site, sempre estivemos cientes desse potencial e, por isso, lançamos nosso produto de criação de sites para concorrer diretamente com a Hospedagem de Sites, como solução para o problema das pessoas que queriam ter um. Existe também um outro problema que a Hospedagem de Sites resolve, que é a necessidade de hospedar e rodar aplicações web com banco de dados. Para resolver isso, existem hoje no mercado soluções de hospedagem de aplicação, como o Heroku e o Google App Engine. Pensando nisso, também lançamos a nossa solução de hospedagem de aplicações, chamada Jelastic Cloud. Vale notar que disrupção não existe somente na tecnologia usada pelo produto. Modelo de negócio também é uma forma de disrupção. A Locaweb lançou sua primeira versão de Cloud em 2008. Optamos por manter o mesmo modelo de negócio da Hospedagem de Sites, incluindo espaço em disco e transferência no preço, e cobrando um valor mensal pelo pacote. Em 2009, a AWS (Amazon Web Services) começou a ficar bastante conhecida por seus serviços de Cloud Computing, que eram muito similares à tecnologia que a Locaweb oferecia. A grande inovação vinha no modelo de negócio. A Amazon optou por cobrar os serviços por hora, e em fazer a cobrança de espaço em disco e transferência de forma separada. Apesar de ser uma forma mais complexa de se cobrar, tinha o atrativo de cobrar apenas pelo que era usado. Quando lançamos o Jelastic Cloud da Locaweb, optamos também por esse modelo de negócio.
Resumindo, antes de aceitar que seu produto realmente chegou à fase de maturidade, é muito importante ter certeza disso. No exemplo que dei da Locaweb, fica claro ainda havia espaço para crescimento se nos focássemos no problema do cliente.
Supondo que não seja uma maturidade programada, que você tenha feito a análise mostrada e que, mesmo voltando o foco do gestor de produto e do time de desenvolvimento para o problema que seu produto resolve, você não conseguiu retomar o crescimento: esta é hora de aceitar a situação, e começar a diminuir o investimento em desenvolvimento e em marketing do seu produto.
Você pode também decidir mover seus esforços de desenvolvimento e marketing para outro produto de seu portfólio. Veremos mais sobre gestão de portfólio de produtos e como alocar investimentos em diferentes produtos desse portfólio na Parte IV – Gestão de portfólio de produtos deste livro.
Outro ponto importante é a necessidade de diminuir custos de operação. Você não pode ter um produto de software na fase de maturidade que custe muito para operar. Custo de operação vem normalmente na forma de trabalho humano, ou seja, custo para corrigir problemas e custos de atendimento ao cliente. O ideal é que, desde a fase de crescimento, seu produto tenha custo de operação bem pequeno, com baixos índices de problemas e custos de atendimento.
Para fazer um produto assim, o time de desenvolvimento de produto deve zelar pela qualidade do produto que está sendo posto em operação, tanto do ponto de vista de qualidade técnica e preocupação do time de engenharia quanto do ponto de vista de facilidade de uso e preocupação do time de UX.
Uma vez que você faça esses desinvestimentos no desenvolvimento e marketing, provavelmente ao alocá-los para outro produto de seu portfólio, e diminuir os custos de operação, seu produto pode ter ainda uma longa vida na maturidade. Tudo vai depender se o produto de software ainda dá retorno para o seu dono enquanto continua a resolver o problema dos clientes existentes.
Essa situação pode se sustentar por meses ou anos. Mesmo não havendo mais investimento em desenvolvimento, é preciso manter um mínimo de investimento em manutenção, mínimo este, que deve fazer sentido dentro da análise de retorno de seu produto. Esse mínimo de investimento em manutenção deve ser coordenado pelo gestor do produto. Ele deve avaliar sua situação e decidir investir esforço somente quando houver necessidade de correções de bugs e de atualizações.
Vale lembrar de que, ao manter a manutenção do produto dessa forma, você estará periodicamente mudando o foco do time de desenvolvimento, que agora está com foco em outro produto. Por isso, essas manutenções devem ser mantidas ao mínimo. É provável que a necessidade de manutenção aumente com o tempo, devido ao envelhecimento do código que compõe o software e, ao longo do tempo, isso pode fazer com que o custo de manter esse produto seja maior que o retorno.
Próxima fase
Se eventualmente você chegar ao ponto em que os custos de manter o produto não compensam mais o retorno que ele dá, muito provavelmente estará na hora de você se preparar para sua próxima fase: o fim de vida, tema do nosso próximo capítulo.
Mentoria de líderes de produto
Tenho ajudado líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a extrair mais valor e resultados de seus produtos digitais. Veja aqui como posso ajudar você e a sua empresa.
Gestão de produtos digitais
Este artigo é mais um capítulo do meu livro Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: