Nos capítulos anteriores, contei sobre a relação entre a gestão de produtos e as áreas de engenharia, UX, marketing de produtos e gestão de projetos. A pergunta que fica é: e as outras áreas da empresa? Como é o relacionamento da gestão de produtos com operações, atendimento, jurídico, vendas, financeiro, administrativo e recursos humanos?
A área de operações é responsável por manter o produto operando. Para produtos online, é responsável por garantir que toda a infraestrutura necessária para que ele esteja disponível, e tenha a dimensão e a elasticidade necessárias para oferecer um serviço de boa qualidade operacional para o cliente.
A qualidade operacional de um produto tem a ver com duas características operacionais do produto:
1. O produto deve ter boa performance: a cada requisição feita pelo cliente ao produto, ele deve responder em menos de X segundos. A definição desse X é a definição de performance desse produto. É importante saber que X não é um número inteiro; ele pode e, idealmente, deve ser um número fracionário menor que 1 (por exemplo, o produto deve responder requisições em 0,3 segundos). Diferentes funcionalidades do produto podem ter diferentes expectativas de performance.
2. O produto deve estar disponível para uso o máximo de tempo possível: esse é o SLA (Service Level Agreement), definido como um número percentual, por exemplo, 99,9%. Esse número pode ser medido em um dia, mês ou em um ano. Em um mês, 99,9% de disponibilidade significam 43,2 minutos de indisponibilidade, enquanto 99,5% significam 3 horas e 36 minutos de indisponibilidade. Quando analisamos a disponibilidade de um produto, devemos levar em conta dois fatores:
A definição de boa qualidade operacional é uma definição que tem de ser feita pelo gestor de produtos em conjunto com engenharia, UX e operações. Claro que nós sempre queremos oferecer o produto com a melhor qualidade possível para nossos clientes, porém, quanto maior a qualidade, maior será o custo para manter o produto.
É importante o gestor de produtos definir, junto com engenharia, UX e operações, qual é o nível de qualidade versus nível de custo operacional aceitável para o produto. Isso é o que chamamos de requisito não funcional, pois ele não é uma funcionalidade do produto, mas sim uma característica que impacta no seu uso.
Para que operações possam operar o produto, é importante que o produto seja “operável”. Parece meio redundante o que acabo de escrever, mas não é raro ver produtos praticamente prontos para serem lançados que têm de voltar para o desenvolvimento, pois não foram levados em conta alguns pontos operacionais simples, como: o que deve ser monitorado, como deve ser monitorado e o que deve ser feito caso o monitoramento encontre algo que não está funcionando como esperado.
O ideal é que isso seja pensado antes de se começar a desenvolver o produto. Se deixar para pensar nesses pontos somente depois que o produto ficar pronto, há grandes chances de se ter de refazer alguma coisa no produto para encaixar essas questões operacionais. Para que a ação de pensar nas questões operacionais aconteça antes e durante seu desenvolvimento, o mais indicado é que alguém de operações participe de forma mais próxima do desenvolvimento.
Apesar de a relação de operações dever ser mais próxima de engenharia do que do gestor de produtos, é papel deste último acompanhar essa relação e ajudar no que for possível, principalmente nas definições dos requisitos não funcionais de operação.
O ideal é que seu produto não precise de atendimento por telefone, chat ou e-mail. Entretanto, por mais que você trabalhe junto com UX para que isso seja verdade, sempre haverá clientes que querem falar com alguém da sua empresa por algum motivo relacionado ao seu produto. Por isso, você deverá preparar seu time de atendimento para falar com seu cliente e resolver seus problemas.
Antes de lançar seu produto, você deve preparar e ministrar um treinamento para o seu time de atendimento para que eles estejam preparados para responder as principais dúvidas. Assim que ele for lançado, você deve acompanhar todos os atendimentos feitos sobre ele para não só ver a qualidade das respostas dadas pelo time de atendimento, mas, principalmente, para entender quais são as principais dúvidas que eles têm quando usam o produto.
Seu objetivo deve ser minimizar esses contatos, tentando resolver essas dúvidas diretamente no produto. Essa é uma tarefa que você precisará conduzir em conjunto com as pessoas de UX que estiverem trabalhando no produto. Toda vez que você lançar novidades nele, é importante comunicar para o time de atendimento com alguma antecedência para deixá-los preparados, para que eles possam dar todo o suporte às dúvidas sobre essas novas funcionalidades.
O jurídico de sua empresa pode ser tanto interno quanto externo, ou até mesmo um híbrido dessas duas opções. Independente do modelo, é importante que este tenha bom conhecimento ligado à área digital, e que esteja constantemente se atualizando, uma vez que muitas leis e normas ainda estão sendo criadas, vide o Marco Civil da Internet (Lei no 12.965) de 23 de abril de 2014 – disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Novas jurisprudências sobre casos relacionados a produtos de software, produtos digitais e produtos online aparecem com boa frequência, e é importante que seu jurídico monitore e conheça os detalhes dessas novas leis e regulamentos.
O jurídico tem duas funções principais ligadas ao seu produto:
Contrato com usuário: nesse contrato, são documentadas as principais características do produto, incluindo nível de serviço, tipo de atendimento, política de privacidade de dados e formas de pagamento. Além disso, esse contrato deve conter direitos e deveres tanto do seu cliente quanto da sua empresa, ou seja, as regras que devem ser respeitadas para o bom funcionamento do produto.
Por exemplo, na Locaweb definimos em um determinado momento fazer o nosso produto de Hospedagem de Sites com espaço em disco e transferência ilimitados. Para poder fazer isso, definimos em contrato o que pode e o que não ser feito em nosso produto de Hospedagem de Sites com espaço em disco e transferência ilimitados para garantir o bom funcionamento do produto para todos os clientes. Colocamos na política de ilimitados (https://www.locaweb.com.br/politicas/#politica-de-ilimitados) que “ter espaço e transferência ilimitados não significa que você pode utilizar sua hospedagem de forma a prejudicar o funcionamento do servidor, para fins ilícitos ou que afronte por qualquer outra maneira a legislação em vigor”.
Lembre-se, além de fazer o contrato, o jurídico lida com todas as reclamações que seus clientes fizerem no âmbito jurídico, normalmente por meio de ações abertas contra a sua empresa; por isso, você deve usar da empatia para entender as preocupações que o seu jurídico certamente terá em relação ao seu produto e a forma como ele é usado.
Contrato com fornecedores: nesse contrato, o foco é definir como será gerenciada a relação da sua empresa com os fornecedores de software que vão fazer parte do seu produto. Por exemplo, na Locaweb temos o produto Hospedagem de Sites, que pode ser nas plataformas Linux ou Windows. No Linux, temos de entender os contratos de uso dos softwares que são de código aberto (open source) para ver se o produto de Hospedagem de Sites Linux pode ser feito usando esses softwares, e se há alguma restrição que devemos considerar. Na plataforma Windows, temos de verificar constantemente o contrato de licenciamento de softwares da Microsoft para ter certeza de que estamos ofertando o produto de Hospedagem de Sites em Windows de acordo com as políticas da Microsoft.
marketing de produtos sobre o produto que será lançado. Depois disso, é importante fazer atualizações de treinamento sempre que vocês lançarem novidades em seu produto.
Outro ponto importante em relação à equipe de vendas é que eles podem fornecer muito feedback importante em relação ao seu produto. Novas funcionalidades, ajustes nas funcionalidades existentes, ajustes em preço e em modelo de negócios são temas nos quais certamente a equipe de vendas poderá contribuir. Mas aqui vale de novo lembrar da empatia. Lembre-se de qual é o objetivo da equipe de vendas: vender. Eles enxergam o seu produto sob essa ótica, como vender mais. Você precisa usar seu discernimento e o conhecimento que você tem do cliente para julgar se o input de vendas é válido para o produto, ou se ele eventualmente poderá atrapalhar os seus objetivos.
Por exemplo, é razoavelmente comum aparecer um vendedor falando que tem um potencial enorme de fazer uma venda grande, mas, para o cliente fechar, ele precisa de certa funcionalidade e, se ela não for implementada, essa venda será perdida. Cabe ao gestor de produtos ter o discernimento sobre a importância dessa nova funcionalidade para o produto e para os outros clientes do
Como visto no capítulo Crescimento: como priorizar o roadmap?, quando comentei sobre a diferença dos produtos E-mail Marketing Locaweb e da All In Mail, o contexto do produto deixa clara essa necessidade de discernimento do gestor de produtos. Aceitar esses pedidos especiais no produto E-mail Marketing Locaweb não faz nenhum sentido. Já no produto All In Mail, esses pedidos do time de vendas é o que deve direcionar o seu roadmap.
O financeiro é a área que dará subsídios para o gestor de produtos entender se o produto que ele cuida é um bom produto para a empresa; ou seja, se o retorno do produto está compensando os seus custos. Claro que você e o marketing de produtos vão acompanhar a receita de seu produto diariamente, mas os custos não são tão simples de serem acompanhados. O financeiro pode ajudar nos cálculos e no acompanhamento do custo do produto.
Você pode dividir seu custo em dois grandes grupos: o custo de manter seu produto e o custo de atrair clientes para o seu produto.
O custo de manter seu produto web em operação é o que podemos chamar de custo de operação. Nessa categoria, estão custo com a infraestrutura e com pessoas necessárias para tocar o dia a dia do produto. Aqui nesse grupo, você deve também considerar o seu time de desenvolvimento, isto é, o pessoal de UX, os engenheiros de produto e você.
Outro custo de operação que deve também ser considerado aqui é o financeiro, isto é, os impostos que você paga. O financeiro, junto com o jurídico, são os mais indicados para definirem a melhor estrutura de impostos para o seu produto.
Os investimentos de marketing e vendas são o custo de atrair novos clientes. Se você gastar com AdWords ou outras formas de campanha online ou offline, isso terá um custo e é muito importante você medir o retorno que este lhe dará. Quantos reais você precisa investir em marketing para trazer um cliente? Quanto de receita esse cliente traz? É suficiente para pagar o custo de atraí- lo, mais os custos de operação, e ainda sobrar um pouco para pagar o investimento feito em desenvolver o produto?
Nessa categoria entra também o custo das equipes de vendas e de marketing, e as comissões que forem dadas para a equipe de vendas, caso sua empresa opte por remunerá-la com comissionamento. Se você usar canais indiretos de venda, como venda por meio de parceiros, a remuneração desses parceiros também entrará nesse custo. Se o time de marketing resolver fazer promoções, como primeiro ano com desconto, isso também entra como custo de atrair novos clientes.
Quando você definir o preço de seu produto, é importante considerar sua estrutura de custos, pois a receita serve para cobri- los e ainda sobrar um pouco. Se você não conseguir receita suficiente para isso, seu produto não terá sucesso.
A princípio, pode parecer que a área de RH não tem nada a ver com o produto e sua gestão, mas tem tudo a ver. O RH é essencial para o sucesso do produto, pois vai fazer parte do processo de encontrar e atrair novos profissionais para trabalhar nele.
Além disso, deverá ajudar no onboarding do novo funcionário, ou seja, nos primeiros dias dele na empresa. O RH também pode ajudar no treinamento e nas avaliações das pessoas dos times de desenvolvimento do produto. Daí sua importância no sucesso do produto.
Tanto na Conta Azul quanto na Gympass, as equipes de desenvolvimento de produtos têm pessoal dedicado ao RH trabalhando com as equipes, com duas funções principais: aquisição de talentos e parceiro de negócios de RH. Na Gympass, a equipe dedicada ao RH se une à equipe de desenvolvimento de produtos.
Esse é mais um time que parece distante do produto e do time que desenvolve o produto, mas não é. O administrativo mantém a infraestrutura necessária para a empresa continuar funcionando. Escritório, salas, móveis, material de escritório, compras, serviços de escritório (limpeza, lanches, refeição, entregas etc.), tudo isso é necessário para sua empresa funcionar e, consequentemente, para o time de desenvolvimento de produtos poder fazer seu trabalho.
Optei por colocar todas essas áreas em um único capítulo em vez de dedicar um para cada uma, como fiz para falar sobre engenharia, UX, marketing de produtos e gestão de projetos, pois a interação com essas áreas é menor. Contudo, vale lembrar de que essas áreas e o bom relacionamento do gestor de produtos com elas é essencial para o sucesso de seu produto.
Relembrando do que falei no capítulo Principais características de um gestor de produtos, a caraterística mais importante que todo gestor de produtos precisa ter é a empatia: a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa para compreender seus anseios, motivações, necessidades e problemas. Essa característica deve ser usada não somente com o cliente do produto como também com as pessoas das diferentes áreas da empresa. O gestor de produtos deve entender o impacto que seu produto tem no trabalho de cada uma delas para poder tornar o trabalho conjunto o mais frutífero possível.
Como vimos neste capítulo e nos anteriores, o gestor interage praticamente com todas as áreas da empresa e, com várias delas, pode haver sobreposição de papéis e responsabilidades. No próximo capítulo, vamos ver uma valiosa ferramenta para ajudar a definir claramente os papéis de cada área nas diferentes tarefas relacionadas ao ciclo de vida de um produto.
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