Paul Graham, cofundador da YCombinator, escreveu sobre uma palestra que Brian Chesky, cofundador da AirBnb, deu em um evento recente da YC para founders. Brian compartilhou alguns de seus aprendizados na expansão da AirBnb em sua palestra e que foi aconselhado a “contratar pessoas boas e dar a elas espaço para elas fazerem seu trabalho”. Ele disse que seguiu esse conselho e os resultados foram desastrosos. Parece que isso aconteceu com todos os founders que estavam presentes no evento. Após resultados desastrosos, Brian decidiu voltar a se envolver mais nos detalhes do que as pessoas em sua empresa estavam fazendo.
De acordo com Paul Graham, essa é uma abordagem distinta em que os fundadores estão mais diretamente envolvidos em suas empresas do que os gerentes tradicionais. Os principais aspectos do modo founder incluem:
- Envolvimento direto: founder se envolvem com diferentes níveis da organização, muitas vezes ignorando a hierarquia padrão e interagindo diretamente com várias equipes e funcionários.
- Abordagem prática: ao contrário do modo gerente, que enfatiza a delegação e a autonomia para liderados diretos, o modo founder permite que founders se envolvam mais nos detalhes, muitas vezes quebrando a regra tradicional de que CEOs devem gerenciar apenas por meio de seus liderados diretos.
- Adaptabilidade: o modo founder não é rígido; ele permite que as founders ajustem o quanto delegam com base nas necessidades específicas de sua empresa e sua confiança em seus gerentes. Essa abordagem é flexível e muitas vezes muda conforme a empresa evolui.
- Contrário à sabedoria convencional: ele desafia a ideia de que founders devem recuar conforme as empresas crescem, mostrando que uma liderança ativa e envolvida das founders pode ser mais eficaz, mesmo em empresas maiores.
De forma geral, o modo founder alavanca a perspectiva e a motivação únicas da founder, muitas vezes parecendo mais intuitivo e eficaz para founders do que o estilo mais desapegado típico de gerentes profissionais.
Concordo fortemente que founders devem se envolver nos detalhes da empresa para ajudá-la a crescer. A fundadora tem a visão original do que queria construir. Qual é o problema que ela quer resolver e a hipótese de solução que ela tem para resolver esse problema? Ela precisa se envolver na criação e no teste das muitas hipóteses de solução e, uma vez que uma solução seja identificada, ela precisa trabalhar com a equipe sobre como fazer essa solução evoluir e atender mais pessoas.
No entanto, quando Paul Graham fala sobre se envolver nos detalhes, ele alerta sobre o risco de a founder não delegar e isso se tornar um grande obstáculo ao crescimento da empresa:
Obviamente, as founders não podem continuar administrando uma empresa de 2.000 pessoas da maneira como administravam quando tinha 20. Vai ter que haver alguma quantidade de delegação.
Founders que não conseguem delegar nem mesmo coisas que deveriam usarão o modo founder como desculpa.
Fonte: Founder Mode
No artigo, Paul mencionou Steve Jobs como um ótimo exemplo de Founder Mode, citando como Steve costumava pular níveis para entrar nos detalhes de como as coisas eram construídas. Curiosamente, Steve Jobs também é creditado pela frase:
Não faz sentido contratar pessoas inteligentes e dizer a elas o que fazer; contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer.
Steve Jobs era contraditório? Ele estava dizendo uma coisa (contratar pessoas inteligentes e deixá-las fazer seu trabalho) e fazendo outra (pular níveis para entrar nos detalhes)?
Eu fundei a Dialdata, uma das primeiras provedoras de serviços de internet do Brasil, em 1992, e agora estou de volta como fundador da Gyaco, minha empresa de serviços de consultoria. Nesse meio tempo, trabalhei em empresas no modo founder e também no modo Gerente:
- VIA NET.WORKS: a empresa que adquiriu a Dialdata tinha um plano claro de adquirir ISPs para criar um provedor global de serviços de internet e, eventualmente, fazer um IPO. Nenhuma visão de longo prazo além do objetivo financeiro. Não é de se espantar que a empresa não exista mais. Não havia muita preocupação com o produto, apenas que deveríamos ter um portfólio de produtos padrão entre as empresas adquiridas para que pudéssemos nos apresentar ao mercado de ações como uma única empresa.
- .comDominio: depois de sair da VIA NET.WORKS, entrei para a .comDominio, uma empresa de data center liderada por gestores profissionais. O foco era adquirir empresas para criar um grande provedor de serviços de internet. Não é de se espantar que a empresa não exista mais e é muito difícil encontrar notícias sobre essa empresa.
- Locaweb: líder em serviços de internet no Brasil. Quando entrei para a empresa, era uma empresa de hospedagem web. Gilberto Mautner, um dos fundadores da empresa, tinha uma visão clara de que a Locaweb deveria ajudar as empresas a nascerem e prosperarem por meio da tecnologia. Foi isso que originou a estratégia de diversificação de portfólio que levou a empresa a ter mais de 25 anos e mais de 2,5 bilhões de reais em valor de empresa. Tive a sorte de trabalhar com Gilberto entre 2005 e 2016 e ajudar a empresa a executar sua visão. Gilberto frequentemente entrava em detalhes da execução. Dado seu background técnico, até mesmo a implementação de código era um tópico que ele discutia com as equipes. Sempre com o propósito de ajudar as empresas a emergir e prosperar por meio da tecnologia como contexto.
- ContaAzul: líder em ERP para pequenas empresas no Brasil, fundada em 2011. Eles tinham uma visão clara de impulsionar o sucesso de pequenos empreendedores, trazendo às pequenas empresas mais organização, controle e tempo por meio da tecnologia. Entrei na empresa em 2016 e, na minha função de CPO, pude ajudar Vincius Roveda e os outros fundadores a tornar a visão mais clara para toda a empresa e para o mercado, a ponto de a visão nos ajudar a garantir uma rodada de investimento da série D de 30 milhões de dólares em 2018. Fundadores próximos ao negócio, discutindo detalhes de implementações importantes e com uma visão clara do que estavam construindo, era essencial, e agora a Conta Azul tem mais de 100 mil clientes.
- Gympass/Welhub: um benefício corporativo que as empresas oferecem aos seus funcionários para que eles possam acessar uma rede de academias e aplicativos de bem-estar. Entrei na empresa em 2018 a convite de Cesar Carvalho, um dos fundadores. Ele tinha uma visão clara de onde queria levar sua empresa. Ele queria combater o sedentarismo e estava encontrando maneiras de fazer isso. Inicialmente, eram passes de academia que qualquer um podia adquirir no site do Gympass e, eventualmente, se tornou o benefício corporativo que os RHs contratam para oferecer aos seus funcionários. Quando conseguimos deixar clara qual era nossa visão e até mesmo as oportunidades de expandir além das academias para o bem-estar, isso ajudou o Gympass a levantar 300 milhões de dólares em sua série C. Mesmo se tornando um unicórnio, Cesar continuou a se envolver em detalhes críticos para garantir que a visão fosse executada como ele a imaginou.
- Lopes: a maior empresa imobiliária da América Latina, a empresa é de capital aberto desde 2005, mas é liderada pela família Lopes desde sua fundação em 1935. Tive a oportunidade de trabalhar em estreita colaboração com Marcos e Francisco Lopes, netos do fundador, e ficou claro o quão importante é ter a visão do fundador durante todas as decisões importantes que as equipes precisam tomar. Ajudei-os a deixar clara a visão do tri-match, ou seja, que a Lopes ajuda as pessoas a encontrarem seu lugar, conectando-as à propriedade mais adequada por meio do melhor corretor. Esse é o tri-match, o encontro ideal entre cliente, propriedade e corretor. Essa visão clara ajudou a orientar os esforços de transformação digital da Lopes.
Expandindo o conceito de “modo founder”
Depois de mais de 30 anos como founder ou próximo de founders e de gestores profissionais, notei alguns elementos intrínsecos de cada modo de operação que podem ser úteis para expandir o conceito de “modo founder” introduzido por Paul Graham.
Ele estava certo quando detectou e nomeou o modo founder, mas sua definição pode ser expandida para incluir um aspecto importante do conceito de modo de liderança: o foco. As coisas darão errado se a líder tiver o foco errado, seja uma founder ou uma gestora profissional. Precisamos considerar o foco da líder, se ela está focada em uma visão de longo prazo e como executar essa visão ou se está focada em métricas financeiras de curto prazo e como melhorar essas métricas financeiras.
Podemos ter founders que visualizam onde querem chegar enquanto outros founders buscam metas financeiras. Por outro lado, podemos ter gestoras profissionais que não apenas continuam, mas também evoluem a visão da empresa e gestoras profissionais que estão focadas apenas em métricas de curto prazo.
Adicionando esse novo aspecto, aqui estão os quatro modos de operação:
- Modo founder com foco na visão: A founder sabe o que quer construir. Ela comunica essa visão à equipe claramente e ajuda a equipe a construir a estratégia e o caminho para chegar lá. Exemplos: Steve Jobs, Bill Gates, Brian Chesky, Reed Hastings.
- Modo founder com foco financeiro: A fundadora começou com uma ideia, mas agora está buscando todas as oportunidades que aparecem pela frente. Ela muda de direção a cada trimestre, se não a cada mês ou semana. Exemplos: WeWork, Theranos, Jawbone, MoviePass, OYO.
- Gestora profissional com foco na visão: Gestora profissional que não apenas continua, mas também evolue a visão original. Ela também comunica essa visão à equipe claramente e ajuda a equipe a construir a estratégia e o caminho para chegar lá. Exemplos: Satya Nadella, Sundar Pichai, Sheryl Sandberg, Jeff Weiner, Tomer Cohen.
- Gestora profissional com foco financeiro: Gestora profissional preocupada com as métricas financeiras. Ela pode usar meios que podem prejudicar a empresa a longo prazo ou até mesmo ser antiéticos. Exemplos: Enron, Sears, Lehman Brothers, Wells Fargo.
Colocando essas dimensões em uma matriz 2×2, teremos:
Outros exemplos interessantes são Lisa Su na AMD, que revitalizou a empresa com uma visão tecnológica clara para enfrentar a concorrência da Intel e da NVidia, e Mary Barra na GM, liderando a transição para veículos elétricos. Esses exemplos mostram como gestoras profissionais podem evoluir a visão da empresa de maneiras transformadoras.
Algumas considerações importantes sobre o modo de operação e análise de foco acima são:
- Conexão entre visão e sustentabilidade: uma observação importante é que founders e gestoras que se concentram na visão geralmente lideram empresas que duram mais e são mais resilientes. Isso mostra que uma visão clara e de longo prazo pode impulsionar o crescimento sustentável dos negócios, enquanto um foco puramente financeiro pode levar a ganhos de curto prazo, mas instabilidade de longo prazo.
- Curto prazo vs. longo prazo: uma preocupação comum de muitas, se não todas, startups é como conseguimos sobreviver e ganhar o dinheiro de que precisamos para estar aqui amanhã e ser capazes de executar nossa visão de longo prazo. Bem, ninguém disse que seria fácil, mas algumas empresas conseguiram sobreviver a esse dilema. Google, Microsoft, Apple, Netflix e Airbnb são bons exemplos. No Brasil, temos Lopes, Locaweb, Conta Azul, Gympass, iFood, Nubank. Exemplos dos quais podemos aprender.
- Riscos do Foco Financeiro Extremo: Estar muito focado em métricas financeiras de curto prazo pode ser bastante arriscado. Não só impulsiona a tomada de decisões de curto prazo, mas também prejudica a confiança da equipe, corrói a fidelidade do cliente e frequentemente cultiva culturas tóxicas que podem ser prejudiciais a longo prazo. Pode até levar a comportamentos perigosos e antiéticos.
- Impacto da Comunicação da Visão: É fundamental comunicar claramente a visão — não apenas como uma direção estratégica, mas como uma ferramenta de motivação e alinhamento cultural dentro da empresa. Uma visão forte atua como uma estrela-guia, guiando as equipes através dos desafios e mantendo-as focadas em objetivos de longo prazo. A visão — onde queremos chegar — e a estratégia — como chegaremos lá — devem ser claramente comunicadas e constantemente relembradas para que todos estejam alinhados e remando na mesma direção.
- Desafios do Modo Founder: embora uma founder deva se envolver nos detalhes, isso não é desculpa para não delegar. Como Steve Jobs disse, contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer. A maneira como Paul Graham descreveu o modo Founder pode fazer com que muitas founders entrem em mais e mais detalhes com a equipe, o que não é escalável. A maneira correta de escalar é definir uma visão clara e comunicá-la para que todos estejam alinhados e as pessoas inteligentes que contratamos nos ajudem a executar a visão. Como Jeff Bezos disse, “Você precisa ser teimoso em sua visão, mas muito flexível nos detalhes.”
Definindo o Modo Founder
Aqui está uma definição proposta do Modo Founder, expandida do artigo original de Paul Graham com conceitos de Jeff Bezos e Steve Jobs:
O Modo Founder é um modelo operacional de liderança em que a founder define e comunica claramente uma visão — definindo o que a equipe está construindo, para quem e por quê — para que toda a empresa esteja alinhada e entenda seu propósito. Neste modo, o papel da founder é trazer pessoas inteligentes para a equipe que podem ajudar a dar vida à essa visão. A founder pode e deve se envolver com a equipe em detalhes importantes que são essenciais para construir e concretizar a visão.
Espero que esta definição esclareça o Modo Founder e que este artigo demonstre que qualquer pessoa, seja um fundador ou um gerente profissional, pode adotar essa forma de operar. Ao alinhar a equipe em torno de uma visão clara e inspiradora e se envolvendo nos detalhes quando necessário, é possível garantir que o que está sendo construído esteja sempre em sintonia com essa visão, aumentando significativamente as chances de sucesso da empresa no longo prazo.
Se você não é founder, mas é uma head de produto trabalhando próximo de uma founder, seu papel é fundamental para ajudar a deixar a visão mais clara para o time. Muitas vezes, a founder tem uma visão clara de onde quer chegar, mas pode ter dificuldade em comunicar essa visão para a equipe. Isso faz com que ela entre nos detalhes da implementação para garantir que tudo está alinhado com o que ela imagina. Como head de produto, sua missão é ajudar a traduzir essa visão para todos e garantir que o time esteja unido na construção dessa direção.
Ajudando a criar a visão
Ao longo da minha carreira, trabalhei ajudando empresas, founders e heads de produto a criar suas visões e estratégias de produto, tanto na minha própria empresa quanto em posições de liderança (Locaweb, Conta Azul, Gympass e Lopes). Hoje, faço isso através de consultoria e treinamentos, atendendo tanto de forma pública quanto in-company (Itaú, Ambev Tech, entre várias outras).
Meu próximo treinamento público sobre visão e estratégia será no dia 17/10. Para mais informações, acesse o site do evento. E se você é founder ou head de produto e acredita que posso ajudá-los a criar sua visão e estratégia, entre em contato por email ou WhatsApp. Vamos conversar e encontrar a melhor forma de trabalharmos juntos!
Treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Gestão de produtos digitais
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