Esse artigo vai ser um pouco mais “filosófico” sobre dois temas que considero bastante importantes do mundo dos negócios. Ambos têm a ver com minha visão de liderança e por isso os compartilho aqui.
Guerra
É comum ouvir comparações entre o mundo dos negócios e situações de guerra, de combate e de luta. Aliás, a própria palavra “estratégia”, tão comum nas empresas de hoje em dia, vem do mundo militar. Vem da palavra grega strategos, junção das palavras stratos (exército) e agos (líder). Ou seja, strategos signifca originalmente o líder do exército, o general, aquele que define como o exércíto deverá agir frente à s situações. Um dos livros que constantemente aparece na lista de mais recomendados para administração é “A Arte da Guerra”, um tratado militar escrito durante o século IV a.C. por Sun Tzu, general chinês.
Quem me conhece sabe que sou uma pessoa pacífica. Odeio brigas. Aliás, se acidentalmente entro numa, estou disposto até a pagar para evitar a briga. Por isso, sempre que vejo essas comparações do mundo de negócios com guerra, combate, luta, competição, eu me sinto profundamente incomodado. Vou colocar abaixo algumas imagens para relembrar o que costuma acontecer durante uma guerra:
Acho que essas imagens falam por si… :-/
Usar guerra, combate, luta como analogia para o mundo dos negócios não faz o mínimo sentido. Nelas o objetivo é derrotar o adversário. É estranho imaginar uma empresa cujo objetivo principal seja derrotar algo ou alguém. Algumas pessoas já comentaram comigo que numa guerra, a guerra em si não é o objetivo, mas sim um meio para se atingir um objetivo. Ok, faz sentido, mas existem vários meios para se atingir um determinado objetivo. A guerra não é o único meio. Por que então a insistência em usar a guerra como analogia para as empresas?
Buscando na Wikipedia, encontramos a seguinte definição para empresa:
Empresa é uma instituição jurídica despersonalizada, caracterizada pela atividade econômica organizada, ou unitariamente estruturada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços para o mercado ou à intermediação deles no circuito econômico.
Essa definição deixa claro que a empresa existe para produzir e/ou servir. Como pode algo que tem por objetivo produzir e/ou servir, ter por analogia algo que tem por objetivo ou por modo de ação a destruição? A maneira correta de olhar uma empresa e seus objetivos é pensando em construção, em relação ganha-ganha, ou seja, onde o cliente sai ganhando, os funcionários saem ganhando, os donos da empresa saem ganhando, a sociedade onde a empresa está inserida sai ganhando. Sempre que direcionamos energia para derrotar o “oponente” (cliente, competidor, funcionário, etc.), estaremos desperdiçando energia que poderia ser usada em algo construtivo.
Ar, comida e lucro
Não raro vemos acionistas, investidores e funcionários de uma empresa 100% focados nos resultados financeiros da empresa. Quando em período de crise, esse foco consegue ir além dos 100%… :-/
Certa vez ouvi uma frase, popularizada por Dick Costolo, CEO do Twitter, que compara receita a oxigênio:
Receita é como oxigênio, é necessário, é vital para a saúde e para o sucesso de uma empresa, mas não é propósito da vida. Você não acorda de manhã e a primeira coisa que pensa é “como eu posso conseguir mais ar?”
Gosto bastante dessa comparação. Toda empresa deve ter um propósito e esse propósito não pode ser derrotar os inimigos, como explicado acima, nem conseguir a maior quantidade de dinheiro possível.
O resultado financeiro deve sempre ser utilizado como uma das métricas que indicam que a empresa está tendo sucesso, que está cumprindo com o seu propósito. Contudo, mesmo como métrica, ela não deve ser olhada de forma isolada, pois existe a boa e a má receita. A má receita é toda receita obtida à s custas do detrimento do relacionamento com o cliente. Por exemplo, uma empresa que presta um serviço com pagamento mensal e, quando um cliente quer cancelar, ela dificulta a sua saída para manter aquela fonte de receita por mais alguns meses, isso é uma má receita. Quando uma companhia aérea cobra uma taxa para adiantar o horário de um vôo, mesmo sabendo que o avião tem espaço de sobra, isso é má receita. As taxas de roaming internacionais exorbitantes também são um bom exemplo de má receita. Locadoras de veículos que cobram a taxa de gasolina, com preço de gasolina bem mais caro que a do mercado, quando você devolve o carro sem estar com o tanque cheio, isso também é uma má receita. Se uma empresa te vende algo com preço acima do adequado, se aproveitando que vc precisa daquele item como, por exemplo, o custo absurdo da garrafa de água em um hotel, isso também é uma má receita.
Ou seja, apesar da comparação de receita e lucro com oxigênio ser boa, ela é incompleta, pois não capta o efeito da má receita. Raramente você pensa no oxigênio, a não ser que esteja com falta de ar. Eu não acho que a receita se deva ser lembrada quando ela está faltando. Receita é o que mantém a empresa viva, capaz de executar seu propósito. Se for uma boa receita, a empresa vai continuar cumprindo seu propósito por muitos anos. Se for uma má receita, ela terá dificuldades no médio prazo.
Por esse motivo, eu prefiro comparar receita e lucro com comida. Da mesma forma que as pessoas saudáveis não pensam em oxigênio o dia inteiro, pessoas saudáveis também não pensam em comida o dia todo. Contudo, diferentemente do oxigênio, que só existe o bom oxigênio, quando falamos de comida, existe a comida boa, saudável, que faz bem para o seu organismo, e existe a má comida, que vai prejudicar seu organismo, com possibilidade de fazer você ficar doente. E é muito importante que a pessoa saiba o que é boa comida e má comida e que pense sobre como obter boa comida e como evitar a má comida.
Pegando a frase de cima e aprimorando-a trocando o oxigênio pela comida, teremos:
Receita é como comida, é necessária, é vital para a saúde e para o sucesso de uma empresa, mas não é propósito da vida. Você não acorda de manhã e a primeira coisa que pensa é “como eu posso conseguir mais comida?”. Contudo, tanto uma empresa quanto uma pessoa devem estar sempre atentas à qualidade da comida que está ingerindo, para ter certeza de que ela não vai causar nenhuma mal à saúde.
Resumindo
As duas dicas de liderança desse artigo são um pouco mais filosóficas, mas bastante relevantes: