Após falar dos meus princípios de liderança, vou falar de outro tema fundamental para uma head de produto, cultura organizacional e valores. São 5 os valores que considero críticos para o sucesso do produto:
Vamos começar definindo cultura.
A palavra cultura vem do latim cultus, que significa “cuidado”, e do francês colere, que significa “cultivar”. Edgar Schein, professor da escola de administração de empresas do MIT, foi uma das primeiras pessoas a falar sobre cultura organizacional nos anos 1970.
Segundo ele, cada empresa tinha sua própria personalidade, e sua própria forma de agir e reagir à s situações; forma esta que é passada de funcionário para funcionário desde os fundadores da empresa.
Cultura Organizacional
“Cultura é um conjunto de premissas que foram aprendidas e compartilhadas por um grupo de pessoas enquanto resolviam problemas de adaptação externa e de integração interna. Esse conjunto de premissas funciona bem o suficiente para ser considerado válido e, consequentemente, ser ensinado aos novos membros do grupo como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.“
Fonte: SCHEIN, Edgar. Organizational Culture and Leadership. Jossey-Bass, 2010
A cultura vem dos fundadores da empresa. Os fundadores têm sua própria cultura e é natural que a imprimam na organização que estão criando. Em função disso, é muito comum se pensar que ela é algo que emerge em uma organização. Schein alerta que isso é um engano. Culturas podem e devem ser planejadas e é papel do head de produto ajudar a planejar e promover a cultura da empresa.
Por esse motivo, estou compartilhando estes cinco valores que ao meu ver são críticos para o desenvolvimento de produtos digitais de sucesso.
Quando erros acontecem é comum as pessoas tentarem buscar quem foi o responsável pelo erro. Isso pode acabar gerando uma cultura do medo de errar e, consequentemente, de querer esconder os erros, especialmente se houver alguma punição.
Os times que não só reconhecem seus erros como os usam como fonte de aprendizado e melhoria são os times com melhor performance. No livro The High-Velocity Edge: How Market Leaders Leverage Operational Excellence to Beat the Competition, Steven J. Spear, professor do MIT, explica que um time de alta velocidade tem quatro habilidades:
Segundo o prof. Spear, esse é o segredo por trás do sucesso da Toyota por tantos anos. Alcoa é outro bom exemplo. Tinha uma taxa de incidentes de trabalho que girava em torno de 2% ao ano. Em uma equipe de 40 mil funcionários, isso significa 800 funcionários por ano com algum incidente de trabalho, mais de 2 por dia. Para combater esse problema, eles implementaram uma política de tolerância zero a erros. Antes de implementar essa política, os erros eram vistos como parte do trabalho. Agora os funcionários são incentivados a relatar erros de operação em 24 horas, propor soluções em 48 horas e contar a solução encontrada para seus colegas para garantir que o conhecimento se espalhe por toda a organização. Isso fez com que o risco de incidentes caísse de 2% para 0,07% ao ano! Essa redução na taxa de incidentes significava que menos de 30 funcionários por ano tinham algum problema de incidente de trabalho depois que a política de zero tolerância a erro foi implementada e a Alcoa obteve um aumento de produtividade e qualidade semelhante ao da Toyota.
No livro Smarter Faster Better: The Transformative Power of Real Productivity, Charles Duhigg, autor e jornalista premiado com o prêmio Pulitzer, compara a performance de dois times de UTI, um deles que costuma se reunir diariamente para discutir problemas e como evitá-los e o outro que costuma punir funcionários que cometem erros. O time que discute e aprende com os erros tem performance melhor, o que, para um time de UTI, significa menos mortes e mais pacientes recuperados.
Esse tipo de ambiente que aprende com os erros é conhecido como ambiente psicologicamente seguro, ou seja, em que as pessoas do time podem fazer seu trabalho sem medo de consequências negativas. Como head de produto é seu papel criar um ambiente assim para seu time e para toda a empresa.
Vejo com alguma frequência o uso de analogias de guerra no dia a dia das empresas. Vamos derrotar esse competidor. Vamos criar esse war room para tratar desse problema. Isso é uma guerra, temos que vencer nossos inimigos. Existe um livro chamado A arte da guerra, atribuído um general chinês chamado Sun Tzu que viveu entre os anos 550 e 500 a.C., que é considerado um dos 10 livros de negócios mais influentes de todos os tempos. Esse livro tem frases como “Diante de uma larga frente de batalha, procure o ponto mais fraco e, ali, ataque com a sua maior força” e “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”.
Apesar de eu entender a imagem que se quer criar fazendo essa comparação de guerra com negócios, para gerar uma motivação maior no time de um inimigo comum a ser derrotado, fico profundamente incomodado com essa analogia. Guerra é algo muito feio e triste. Experimente escrever guerra no Google e clique na opção “Imagens”. Você verá muitas fotos de dor e de sofrimento. Em uma guerra, para alguém ganhar, alguém precisa perder.
No meu entendimento, negócios é oposto disso. Os negócios mais prósperos são aqueles que impactam positivamente todos à sua volta, funcionários, clientes, fornecedores, sociedade e até mesmo os competidores. Um bom competidor é aquele que o motiva a melhorar. Os competidores tiram as empresas da zona de conforto. Se não fossem por eles, as empresas evoluiriam de forma bem mais lenta. Além disso, competidores podem e devem se juntar em associações para irem atrás de objetivos comuns.
Sim, o objetivo de toda empresa é crescer e dar lucro, mas esse não deve ser o foco. O propósito principal de uma empresa deve ser ajudar de alguma forma seus clientes, e a receita e o lucro devem ser usados como métricas que indicam se o propósito está sendo cumprido. Mas não devem ser as únicas métricas, uma vez que sempre há o risco de se obter a má receita, o que pode acontecer quando mantemos o foco principal em ter mais receita.
Imagine uma situação onde você é assinante de um serviço com pagamento mensal e, por algum motivo, você precise cancelar sua assinatura. Ao tentar fazer isso, descobre que o processo de cancelamento é supercomplicado. Isso certamente vai deixá-la insatisfeita. A mesma coisa acontece quando você pega uma água no frigobar de um quarto de hotel e descobre que a garrafa de água custa 3 vezes mais do que em um supermercado. São situações que até geram receita para a empresa, mas é uma má receita, que deixa os clientes insatisfeitos e que provavelmente fará esses clientes não retornarem e até mesmo falar mal de sua empresa quando tiverem a oportunidade.
Por este motivo gosto de fazer uma analogia entre receita e lucro com comida:
Receita é como comida, é necessária, é vital para a saúde e para o sucesso de uma empresa, mas não é propósito da vida. Você não acorda de manhã e a primeira coisa que pensa é “como eu posso conseguir mais comida?”.
Contudo, tanto uma empresa quanto uma pessoa devem estar sempre atentas à qualidade da comida que está ingerindo, para ter certeza de que ela não vai causar nenhum mal à saúde.
No próximo capítulo vamos conversar sobre a importância da transparência na criação de times de alta performance.
Este artigo faz parte do meu mais novo livro, Liderança de produtos digitais: A ciência e a arte da gestão de times de produto, onde falo sobre conceitos, princípios e ferramentas que podem ser úteis para quem é head de produto, para quem quer ser, para quem é liderado por ou para quem tem uma pessoa nesse papel na empresa. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: