Esse valor eu aprendi no Gympass. Era um dos valores corporativos da empresa e, na minha opinião, toda plataforma tem que ter esse valor. Muitas vezes me deparei com CEOs e heads de produto de plataforma que afirmavam que faziam tudo pelo cliente, que a empresa inteira era voltada ao cliente. Contudo, quando eu perguntava mais sobre esse tema, eu acabava descobrindo que o cliente ao que eles se referiam era apenas um dos atores da plataforma e os outros eram tratados apenas como “mal necessário”.
Na descrição do valor no site do Gympass está escrito:
Mentalidade de ecossistema
Tomamos decisões que criam valor para o nosso ecossistema Gympass e nos ajudam a alcançar nossa missão.
O exemplo que darei sobre mentalidade de ecossistema foi a implementação do produto de aulas ao vivo que o Gympass criou durante a crise do COVID-19.
Durante a pandemia do COVID-19, diversificamos – e digitalizamos – nosso portfólio de produtos em tempo recorde. Passamos de um produto offline, acesso a academias e estúdios, para 4 produtos, 3 deles totalmente digitais, em menos de um mês:
A seguir explico como fizemos isso.
Quando entrei para o Gympass, em meados de 2018, uma das primeiras coisas que fiz foi construir uma visão de produto. Tínhamos um propósito muito forte: vencer a inatividade. No entanto, para construir um produto digital, precisamos mais do que um propósito.
Essa visão orientou a definição da organização de desenvolvimento de produtos Gympass. Como comentei no capítulo Estrutura de time, montamos equipes em torno de cada um dos participantes do marketplace, além de uma equipe central que atuava no fluxo de pagamentos recolhendo o pagamento das empresas e de seus funcionários, fazendo todos os cálculos e determinando o pagamento de cada academia parceira.
Quando eu estava construindo essa visão de produto e discutindo-a com diferentes pessoas na organização, foi fácil ver muitas oportunidades de expandir esse mercado. Há uma grande quantidade de novas categorias de oferta que poderíamos adicionar ao nosso marketplace:
Existem 3 tipos de elementos em um mercado:
Esses três elementos se relacionam da seguinte maneira:
Dada a dinâmica acima, podemos expandir um mercado da seguinte maneira:
No entanto, tínhamos muito a fazer em nosso produto principal naquela época, então não tínhamos energia suficiente para nos concentrar na expansão de nosso marketplace e deixamos os planos na gaveta.
Em outubro de 2019, chegamos a um ponto em que nossa equipe de desenvolvimento de produto estava bem estruturada e trabalhando adequadamente para enfrentar nossos desafios em nosso produto principal, então decidimos nos concentrar na expansão de nosso marketplace.
Decidimos trabalhar em uma ideia chamada “hub de parcerias do usuário final Gympass”. O plano era fazer parceria com aplicativos de bem-estar e fornecê-los aos nossos usuários.
Essa nova ideia tinha duas hipóteses principais que precisávamos testar:
Para testar nossa primeira hipótese, construímos um deck com a proposta de valor que planejávamos entregar aos parceiros e conversamos com alguns parceiros em potencial. Apresentamos a oportunidade de parceria a 8 potenciais parceiros, dos quais 6 mostraram interesse e 4 decidiram juntar-se à nossa prova de conceito. NEOU, um app de treino de atividade física, 8fit, um app de treino de atividade física e de nutrição, Tecnonutri, um app de nutrição e ZenApp um app de meditação.
Ok, nossa primeira hipótese foi validada e precisávamos validar a segunda hipótese, a disposição a pagar. Nosso usuário está disposto a pagar para ter acesso a esses aplicativos através do Gympass?
Para testar nossa segunda hipótese, construímos um formulário simples, onde descrevemos o produto e perguntamos nome, e-mail e empresa. Após o usuário fornecer essas informações, ele seria direcionado para uma página de assinatura do Paypal, onde ele precisa fornecer os dados do cartão de crédito para assinar o serviço. O usuário receberia um e-mail com o link de ativação de cada aplicativo. Não havia um produto real, apenas um formulário para testar o interesse e um e-mail com os links para os aplicativos.
Inicialmente, o chamamos de Gympass W, o W significando wellness (bem-estar). Adicionamos um beta para que todos pudessem entender que não era um produto acabado. Mais tarde, renomeamos para Gympass Wellness para deixar sua proposta de valor mais clara.
Nosso plano era testar essa prova de conceito com 5 clientes corporativos nos EUA e 5 no Brasil, o que nos forneceria uma base de potenciais usuários de 15.000 funcionários. Nossa expectativa era ter cerca de 200 assinantes. Lançamos internamente – eat your own dog food (coma sua própria ração para cachorro) – em 9 de março de 2020 e conquistamos 66 inscritos. Em seguida, veio o COVID-19.
Quando uma empresa é atingida por uma crise, ela precisa olhar para estas duas perspectivas:
Embora gestores de produto e as equipes de desenvolvimento de produto tenham um papel importante no primeiro, seu papel principal é no segundo.
No Gympass temos 3 clientes diferentes e todos eles profundamente impactados pelo COVID-19:
Fomos capazes de adaptar nosso piloto do Gympass Wellness em tempo recorde para ser oferecido a toda a nossa base de usuários, de forma que eles possam não apenas permanecer ativos, mas também cuidar de sua alimentação e de suas mentes durante esses tempos tão desafiadores. Com o Gympass Wellness, fomos capazes de atender aos problemas e necessidades dos usuários e de nossos clientes corporativos durante a crise.
E aqui entra a mentalidade de ecossistema. Devemos sempre olhar para todos os participantes em nosso mercado e garantir que todos se beneficiem de usá-lo.
Com o Gympass Wellness, fomos capazes de atender à s necessidades de nossos clientes corporativos e de seus funcionários. E as academias? Ao serem fechadas, estavam perdendo receita. Seus clientes não os visitavam mais, então os usuários regulares das academias estavam propensos a cancelar sua assinatura, enquanto aqueles que costumavam ir à s academias usando o Gympass não iam à academia durante a crise, o que causaria uma perda de receita para as academias também. Para ajudar as academias parceiras, decidimos e implementamos em tempo recorde 2 soluções:
As Live Classes forneciam uma plataforma 1:N, o que significa que um instrutor poderia fornecer orientação de atividade física para N usuários. Logo percebemos que poderíamos criar outro produto além do Live Classes, orientação de atividade física 1:1, que poderia ser disponibilizada nos planos de nível superior do Gympass. Em seguida, criamos nosso terceiro produto digital, Personal Trainers.
Pronto, com este capítulo concluímos a segunda parte do livro, sobre Princípios. Aqui vimos meus princípios pessoais de liderança:
Vimos também o que é cultura empresarial, um conjunto de maneiras de resolver problemas e reagir a situação compartilhadas por um grupo de pessoas trabalha junto. Vimos também os 5 valores necessários para criar produtos digitais de sucesso:
Por fim, vimos um conjunto de quatro valores que são de fato o núcleo de todo time de desenvolvimento de produtos digitais. São os valores que compõem a cultura de produto, que nada mais é do que o conjunto de comportamentos dos times de desenvolvimento de produtos digitais que produzem os melhores resultados:
Vamos agora ver as ferramentas? \o/
Este artigo faz parte do meu mais novo livro, Liderança de produtos digitais: A ciência e a arte da gestão de times de produto, onde falo sobre conceitos, princípios e ferramentas que podem ser úteis para quem é head de produto, para quem quer ser, para quem é liderado por ou para quem tem uma pessoa nesse papel na empresa. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: