Você descobriu um problema de um conjunto de pessoas, e entendeu a fundo esse problema e o seu contexto. Descobriu o que motiva as pessoas a terem-no resolvido, e analisou a oportunidade em mais detalhes para avaliar se vale a pena desenvolver seu produto de software. Por fim, você desenvolveu sua primeira versão de seu produto de software e o lançou no mercado, seguindo as recomendações dos vários ótimos livros que existem falando sobre startup, inovação e desenvolvimento de software.
Sucesso! Só que não…
Na verdade, esse foi o seu primeiro passo de uma jornada bem longa, que vamos conhecer nos próximos capítulos.
Passada a fase de inovação, quando você desenvolve e lança a primeira versão de seu produto de software, chega o momento em que você tem de investir mais energia para entender se seu produto de fato resolve o problema dos clientes e atende aos objetivos de seu dono. Esse é o momento em que você, ou entra na fase de crescimento, ou então pode não cruzar o abismo.
Aliás, esse é um dos momentos mais importantes do ciclo de vida de seu produto de software, o “momento da verdade”, o momento no qual seu produto encontra o mundo real. Você certamente deixou alguma maneira fácil de seus usuários entrarem em contato, e agora está começando a receber seus feedbacks. São esses feedbacks que vão dizer se você está ou não na direção certa para resolver o problema deles.
É importante responder rapidamente aos feedbacks. Isso criará uma percepção de que quem está por trás do produto de software se importa com os comentários e com os usuários de seu sistema. Isso ajuda a criar uma imagem positiva de seu produto.
Não diga que você vai implementar alguma determinada funcionalidade em algum momento do futuro se você não tem planos de fazer isso, ou se isso é só uma possibilidade remota. Se esse for caso, apenas agradeça a sugestão.
Essas pessoas que estão dando feedback estão fornecendo uma informação muito valiosa. Mesmo que elas não sejam muito educadas com você, o que elas estão lhe dizendo serve para você entender como elas estão percebendo seu produto.
Você deve sempre ser educado com seus usuários, mesmo com aqueles que não forem muito educados com você. Sua forma educada de tratá-los pode eventualmente ajudar a reverter a má impressão que ele tinha de seu produto.
Principalmente no começo, você receberá muitas sugestões de funcionalidade: versão para celular, funcionamento mais preditivo, conhecendo o usuário e já preenchendo os dados automaticamente, e assim vai.
Nesse começo, o recomendado é não implementar nada: você ainda está conhecendo seus usuários e entendendo se seu produto resolve um problema real deles. Se você implementar todas as sugestões que receber, poderá estragar a solução que criou e, pior, começará a deixar seu produto complicado, com muitas funcionalidades desnecessárias. Para lidar com todas as sugestões, não é necessário criar um sistema para anotá-las. Depois de algum tempo recebendo sugestões, você vai se lembrar de quais são as mais populares.
Se você quiser implementar um sistema de sugestões, existe o UserVoice (http://uservoice.com), que tem versão gratuita.
Apesar de seus usuários que lhe mandam feedback já lhe dizerem muita coisa, você não deve considerá-los como sua única fonte de feedback. Você deve usar as estatísticas de uso do produto de software como ferramenta para entender como ele está sendo utilizado. A quantidade de vezes que as pessoas acessam, a quantidade de dados que elas entram no sistema, depois de quanto tempo elas voltam, tudo isso você deve ser capaz de extrair de sua base de dados e do relatório de estatísticas de acesso.
Para relatório de estatísticas de acesso ao site, uma boa solução é o Google Analytics. Com um pequeno pedaço de código JavaScript em seu site e em sua aplicação web, o Google Analytics colhe várias informações das pessoas que navegam por eles, como: por qual página entraram; de que página saíram; quanto tempo ficaram em cada página; de que localidade são (cidade, estado, país); se estão acessando via computador, tablet ou celular; além de informar quantidade de visitas, e várias outras informações muito úteis, principalmente nesse começo.
Uma outra ferramenta muito útil para ver como as pessoas estão usando seu produto é o ClickTale, que também com um pequeno JavaScript colocado em sua página, é capaz de dar informações sobre, não só os cliques, como também da movimentação do mouse das pessoas enquanto elas usam seu produto. Ver isso pode lhe dar várias informações úteis sobre sua aplicação.
Existem outras formas além de você obter feedback de seus usuários. Seu site tem um blog para você contar novidades de seu produto, não tem? Nos comentários dos posts, você certamente receberá muita informação bacana.
Você também pode criar uma página no Facebook, que pode ser o lugar onde os usuários de seu produto se encontram e trocam experiências. Se você tiver a oportunidade, também converse ao vivo com as pessoas que estão usando seu sistema. Conversas ao vivo são muito ricas por permitirem maior interação e troca de informações.
Logo após o lançamento do ContaCal, produto digital que comentei no capítulo Inovação: muitas oportunidades, muitos usuários comentaram que seria bacana ter a possibilidade de controlar não só a quantidade de calorias ingeridas como também a quantidade de calorias gastas. De tanto ouvir pessoas pedindo por essa funcionalidade, ela acabou ficando na minha cabeça como uma funcionalidade importante para ser implementada. Talvez eu pudesse até estar perdendo inscrições de novos usuários por não a ter, ou usuários estivessem desistindo de utilizar o sistema pela falta dela.
Eu estava me organizando para decidir como implementar cobrança no sistema mas, em função desse feedback, decidi colocar a funcionalidade de registro de atividades físicas no ContaCal, dois meses e meio após seu lançamento. Fiz isso por ser simples de implementar e por achar que poderia ajudar a aumentar o número de pessoas que continuariam utilizando o produto após o primeiro uso.
Anunciei para a base de usuários existentes, passei a destacar isso como uma das funcionalidades que o sistema tem na comunicação do produto, e passei a ensinar novos usuários mais sobre essa funcionalidade. Várias pessoas acharam bacana, mas a curva de novos usuários que se cadastraram para testar o sistema, bem como de usuários que decidiram continuar usando-o após o primeiro contato, não mudou em nada!
Para confirmar essa percepção de esforço com pouca utilidade, bastou olhar na base de dados para ver que apenas 2,4% dos registros feitos são de atividades. Acabei postergando em um mês a implementação de cobrança para colocar essa funcionalidade. Hoje vejo que não precisava ter a implementado antes da funcionalidade de cobrança. Acho até que não precisava ter implementado essa funcionalidade e poderia ter deixado o ContaCal como sistema apenas para registro de calorias ingeridas, sem me preocupar com o gasto de calorias em atividades físicas.
Recentemente, recebi um e-mail de uma usuária reclamando de que o gráfico que apresento como relatório não mostra as atividades físicas, sendo que o objetivo deste é somente mostrar a evolução das calorias ingeridas. Coloquei mais uma complexidade no sistema com a qual tenho de lidar até hoje e com praticamente nenhum ganho, nem para os usuários, nem para mim, que sou o dono do software.
Muito cuidado quando for implementar uma nova funcionalidade. Sua criação cria complexidade de código, de regra de negócio e de interface. Se não estiver muito claro o que seus usuários e o dono do software vão tirar de positivo dela, talvez seja melhor esperar um pouco antes de investir.
Cruzar o abismo que separa os primeiros clientes, aqueles entusiastas que adoram testar todo e qualquer produto novo, do restante do mercado não é uma tarefa simples. Tanto que existe um livro inteiro falando sobre o assunto, que já mencionei algumas vezes, o Crossing the Chasm, de Geoffrey A. Moore.
Apesar de eu já ter falado várias informações a respeito desse livro, neste momento em que estamos considerando o crescimento do produto e a importância de recolher feedback, vale a pena nos determos em algumas observações sobre ele.
A primeira parte do livro é muito boa; uma leitura recomendada para qualquer pessoa que trabalha com tecnologia. Nela, Moore mostra a curva de adoção de tecnologia em detalhes, a existência do abismo nessa curva e explica o motivo de este abismo acontecer.
Na segunda e última parte do livro, Moore sugere como cruzar o abismo. O problema é que ele usa analogias de guerra para isso; o que, volto a ressaltar, não é a maneira mais apropriada para endereçar questões de negócios. O primeiro capítulo da segunda parte está intitulado como “A analogia do dia D”, e vem seguido de capítulos com o mesmo tipo de títulos (“Mire o ponto de ataque”, “Monte sua força de invasão”, “Defina a batalha” e “Lance a invasão”).
Apesar da péssima analogia, as ideias são boas. Em resumo, ele recomenda um profundo entendimento do usuário para garantir que seu produto esteja, de fato, resolvendo um problema dele. Ele recomenda foco nesse único empecilho para um grupo de usuários. Melhor ser algo muito bom para um grupo de pessoas do que tentar ser tudo para todos.
A partir do momento em que seu produto for uma ótima solução de um problema de um pequeno grupo, você poderá procurar mais pessoas que possam estar com um problema igual ou parecido para você adaptar seu produto, e assim ganhar mais mercado.
Claro que é muito mais fácil falar do que fazer, mas não se esqueça: o bom entendimento de seu usuário, de seu problema, do contexto onde este acontece e a motivação que ele tem para querer tê-lo resolvido são as suas melhores ferramentas para cruzar o abismo, e evitar a morte prematura de seu produto de software.
Este artigo é mais um capítulo do meu livro Gestão de produtos: Como aumentar as chances de sucesso do seu software, onde falo sobre o que é gestão de produtos digitais, seu ciclo de vida, que ferramentas utilizar para aumentar suas chances de sucesso. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros:
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