Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:
Vamos agora para o capítulo 2, sobre:
Um aspecto das transformações digitais que parece ser senso comum entre as pessoas responsáveis por ajudar as empresas a passarem por esse processo é que o mais difícil não são as mudanças digitais e tecnológicas, mas as mudanças culturais e de mentalidade necessárias para uma transformação bem-sucedida.
Neste capítulo, vou me aprofundar um pouco mais nessas mudanças culturais e de mentalidade necessárias, na esperança de que possamos entender melhor e enfrentar os obstáculos que dificultam a jornada por transformações digitais.
Um artigo interessante na HBR sobre As indústrias atormentadas pela maior incerteza apresenta um gráfico em que muitas indústrias são mostradas de acordo com:
Incerteza da demanda e da tecnologia por indústria
Como podemos ver, na região superior direita do gráfico, podemos encontrar as indústrias de informática e software ao lado das indústrias farmacêutica, de equipamentos médicos e de transporte. Essas são as indústrias nas quais temos que investir mais em P&D e a demanda é a mais incerta. Computadores e software são as mais novas; farmacêutica, de equipamentos médicos e de transportes são mais tradicionais, com incertezas de tecnologia e demanda semelhantes às indústrias de computadores e software.
Quando analisamos outros setores mais tradicionais, como bancos, seguros, varejo, entretenimento, imobiliário e construção, para citar alguns exemplos, eles apresentam menor incerteza tecnológica e de demanda.
Quando uma empresa tradicional decide entrar na jornada da transformação digital, uma coisa que precisa ficar clara é que essa jornada tem mais a ver com transformação do que com digital. O aspecto digital é muito importante, pois a tecnologia é central em qualquer transformação digital. No entanto, é relativamente fácil encontrar conhecimento e especialistas que possam ajudar a entender e abordar os aspectos tecnológicos de uma transformação digital. Por outro lado, o aspecto de transformação de qualquer transformação digital exige mudanças de negócios e culturais que são consideravelmente mais difíceis de implementar. E para dificultar ainda mais, não há muito conhecimento disponível sobre esse assunto, então tendemos a creditar sua dificuldade a uma questão cultural e de mentalidade um tanto genérica, o que é correto, mas insuficiente para nos ajudar a lidar com o assunto.
O gráfico de incerteza de demanda e tecnologia pode nos ajudar a entender por que as mudanças de negócios e culturais em uma transformação digital podem ser tão difíceis. A empresa tradicional normalmente está acostumada a um certo nível de incerteza tecnológica e de demanda. No entanto, ao entrar no mundo digital, o nível de incerteza de demanda (será que o cliente vai querer?) e de incertezas tecnológicas (será que conseguimos fazer?) aumenta consideravelmente.
Na indústria de computadores e software, a incerteza da demanda é muito alta, uma das mais altas de todas as indústrias, o que significa que o software produzido nem sempre atinge seus objetivos. Esta taxa de sucesso tem melhorado nos últimos anos com a evolução das técnicas e princípios de desenvolvimento e gestão de produtos digitais, mas ainda existem muitos produtos digitais que falham total ou parcialmente na obtenção dos resultados esperados. Isso pode ser muito frustrante para uma empresa em um setor com menos incerteza de demanda. Para minimizar a incerteza da demanda, devemos fazer entregas rápidas e frequentes, que é um comportamento que as pessoas de indústrias mais tradicionais precisam entender e adotar para lidar com a incerteza da demanda de produtos digitais.
Por outro lado, a incerteza tecnológica exigirá da empresa tradicional o entendimento de que (1) ela terá que investir bastante e (2) o investimento em produtos digitais é um investimento plurianual. Para ilustrar essa necessidade de investimento e seu aspecto plurianual, usarei dois exemplos:
É importante notar que a Amazon está no setor de varejo com baixa incerteza tecnológica e incerteza de demanda média, e o Nubank está no setor bancário com baixa incerteza tecnológica e de demanda, com base no gráfico de incerteza de demanda e de tecnologia por setor apresentado anteriormente. Ambas definiram o digital como uma parte central de sua estratégia para potencializar resultados, e ambas entenderam que seriam necessários muito investimento e muitos anos para obter resultados positivos.
Quanto mais distante uma indústria estiver da indústria de software no gráfico, maior será o esforço de transformação necessária. A empresa precisa entender que (1) desenvolvimento de produtos digitais requer bastante investimento e tem muitas incertezas, e (2) produtos digitais precisam de tempo para mostrar um retorno sobre o investimento, provavelmente múltiplos anos.
Da mesma forma que empresas de uma determinada indústria vão requerer um esforço proporcional à distância que essa indústria está da indústria de software no gráfico apresentado, o mesmo acontece com as pessoas que mudam de uma empresa em uma indústria em um cenário de menos incerteza e vão para uma empresa que tem o digital como parte central de sua estratégia.
Um exemplo para ilustrar esse ponto são os fundadores do Gympass: Cesar Carvalho era head de Business Development na CVC, empresa de viagens e turismo e, antes, foi consultor da McKinsey; João Barbosa era coordenador de Business Performance na CVC e, antes, trabalhou em bancos (Santander, Safra e Citi); e Vinicius Ferriani era project manager na Shiseido e também foi consultor na McKinsey. Os três co-founders do Gympass não tinham experiência em empresas maduras digitalmente quando decidiram criar o Gympass e tiveram que desenvolver essa maturidade ao longo dos anos conversando com pessoas que tinham essa maturidade e trazendo para o time pessoas com essa maturidade.
Outro exemplo é o Nubank. Enquanto David Vélez tinha passado em dois fundos de investimento muito ligados ao mundo digital (Sequoia Capital e General Atlantic) antes de fundar o Nubank e Edward Wible era formado em Ciência da Computação em Princeton e trabalhou com empresas digitais tanto em uma consultoria (BCG) quanto em uma empresa de investimentos (Francisco Partners), a Cristina Junqueira só teve experiência em empresas mais tradicionais como bancos (Itaú, Unibanco, LuizaCred) e consultorias (BCG, Booz Allen Hamilton). É provável que a adaptação da Cristina Junqueira à cultura mais digital tenha sido mais intensa do que a adaptação do David Vélez e do Edward Wible.
Transformação digital é um caminho com muitas incertezas e requer investimento por vários anos até esse investimento se pagar.
Esse aspecto das transformações digitais deixa as pessoas que têm experiência em indústrias mais estáveis bastante desconfortáveis e, consequentemente, bastante ansiosas, esperando resultados já no próximo mês ou, no máximo, no próximo semestre.
Esse desconforto e ansiedade, principalmente na alta liderança, no C-level e no Conselho da empresa, pode ser um grande obstáculo para o sucesso das iniciativas digitais. Por esse motivo, é importante ter esse entendimento da incerteza, da necessidade de investimento e do caráter de longo prazo – plurianual – desse investimento, para que as pessoas tenham a paciência necessária para colher os resultados tão ansiosamente aguardados.
Por outro lado, o investimento em transformação digital não pode ser feito de olhos fechados. Ele deve ser constantemente monitorado. Desde o começo do investimento, é possível ter indicadores e até mesmo resultados parciais que, mesmo longe de cobrir os investimentos, já mostram se está indo na direção correta.
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