Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:
Vamos agora para o capítulo 4, sobre:
Ao apresentar essa classificação de tipo de empresa durante um treinamento in-company, as pessoas que estavam assistindo ao treinamento disseram que estavam investindo muito em sua transformação digital para se tornarem uma empresa digital, mas, de acordo com essa classificação, nunca seriam digitais, pois esta classificação não permite qualquer movimento entre categorias.
Isso é verdade, essa classificação fala sobre o tipo de empresa em termos de sua natureza, de como ela foi concebida e qual é o seu produto ou serviço primário. A única maneira de uma empresa ser mais digital nessa classificação é criando novos negócios.
Por exemplo, a Amazon, uma loja nascida digital, criou a AWS (Amazon Web Services), um novo negócio para oferecer infraestrutura de tecnologia como produto, o que torna a AWS uma empresa digital, enquanto a Amazon continua sendo uma empresa tradicional nascida digital. Por outro lado, a Amazon também constrói lojas físicas, e isso não a tornou mais tradicional. Mesmo tendo construído lojas físicas, a Amazon continua sendo uma empresa tradicional nascida digital.
Além de ter a clareza sobre qual o tipo da empresa, existe um outro conceito que ajuda a entender como essa empresa está em termos de uso das tecnologias para potencializar o seu negócio. É o conceito de maturidade digital, que significa o quanto a empresa vem investindo em produtos digitais para potencializar seus resultados e o quanto os resultados foram de fato potencializados por esses esforços digitais.
O Itaú amadureceu muito no uso de tecnologias digitais para potencializar seus resultados. Sou cliente do Itaú desde que eles adquiriram as operações do BankBoston no Brasil em 2006 e faço tudo o que preciso de um banco usando seus canais digitais, que têm melhorado sensivelmente ao longo dos anos. Além dessa constante melhora em seus canais digitais, eles criaram dois novos negócios que são tradicionais, mas já nascidos digitais: o iti by Itaú, que é um banco digital, e o íon by Itaú, que é uma plataforma digital de investimentos.
Outro bom exemplo é a Lopes Consultoria de Imóveis, empresa fundada em 1935 e que vem investindo em sua transformação digital desde 2019. Trabalhei na Lopes entre 2020 e 2022 liderando essa transformação digital e aprendendo muito nessa jornada. Nesse período, conseguimos passar de 40% das vendas vindas do digital para mais de 55% das vendas totais. Conseguimos construir produtos digitais para resolver os problemas não só das pessoas que queriam comprar uma casa, mas também das pessoas que queriam vender uma casa — como o produto para fazer avaliação de imóveis baseada em data science — e dos corretores, que passaram a receber leads melhores, mais alinhados com sua experiência e conhecimento, aumentando sua taxa de conversão, graças aos novos algoritmos de alocação de leads. Então, podemos dizer que tanto o Itaú quanto a Lopes são empresas digitalmente maduras.
Como as empresas digitais e as tradicionais nascidas digitais já são digitais, podemos pensar que discutir a maturidade digital de uma empresa só faz sentido quando estamos falando de empresas tradicionais, certo?
Errado! Vou dar três exemplos que mostram que empresas digitais, assim como tradicionais nascidas digitais, podem, sim, ter baixa maturidade digital.
Quando entrei na Locaweb em 2005, a empresa tinha cerca de 100 pessoas e a equipe de desenvolvimento de produto tinha cerca de 30 pessoas, o que é um bom tamanho. No entanto, o desenvolvimento de produto era feito de uma forma muito antiga, em cascata, com base em ideias de C-levels e de pedidos de vendas, sem conversa com o cliente.
Lembro-me de preencher um PRD (Product Requirement Document, ou Documento de Requisitos de Produto) com todos os requisitos para um novo produto que planejávamos lançar com base nas ideias dos C-levels. Após preencher todos os detalhes, o que demorei 2 meses para fazer, entreguei para a engenharia um documento de mais de 25 páginas, repleto de detalhes sobre o produto. A engenharia levou 5 meses para entregar o produto pronto. Durante esse tempo, sempre que eu perguntava como estava o desenvolvimento, a resposta que eu recebia era que o desenvolvimento estava indo como planejado e que eles estavam seguindo à risca o PRD. Quando ficou pronto, fui testar o produto e descobri que uma funcionalidade esperada não estava lá. Verifiquei o PRD para ver se eu havia esquecido de incluir essa funcionalidade específica, mas não, eu não tinha esquecido, estava lá. Então, conversando com os engenheiros, eles viram a documentação, não entenderam todos os detalhes da funcionalidade e, pela pressa de entregar, decidiram não incluir a funcionalidade.
Através desse exemplo, fica bem claro que nossa maturidade digital naquela época era bem baixa. Conseguimos evoluir e aumentar nossa maturidade digital ao longo dos anos. Este é um bom exemplo de empresa digital cujo produto é o software ou a tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto, mas com baixa maturidade digital e que foi melhorando ao longo dos anos.
Esta é a empresa de dois bons amigos de faculdade. Formaram- se por volta de 1990 e, na época, criaram um produto para auxiliar os advogados no seu dia a dia. Como todo software da década de 1990, era um software on-premise, para ser instalado no computador de cada advogado. Mais tarde, lançaram uma versão cliente-servidor onde os advogados podiam trocar informações pelo sistema e o trabalho realizado por cada advogado era armazenado em um servidor local.
Por volta de 2010 eles começaram a perceber a necessidade de migrar para a nuvem e eu os ajudei em um dos meus primeiros trabalhos de consultoria. O grande dilema que eles enfrentaram era: como colocar na versão na nuvem tudo o que foi criado ao longo de 20 anos de trabalho na versão cliente-servidor? Com certeza isso levaria muito tempo e, muito provavelmente, o cliente não perceberia nenhum valor, não pagaria a mais por esse novo software. A Aurum ia investir um monte de dinheiro para fazer um novo software que faria o mesmo que a versão cliente-servidor, e não teria como cobrar a mais de seus clientes para ter retorno desse investimento. O que fazer?
Eles percorreram dois caminhos simultâneos que são duas ótimas estratégias para casos similares:
É importante notar que ambas as estratégias têm o valor gerado para o negócio e para o cliente por princípio norteador da priorização. Não é a necessidade técnica que norteava as decisões, e sim as necessidades de negócios e do cliente. O foco é gerar valor de negócio e de cliente e aproveitar para fazer atualização tecnológica.
Na construção do Astrea, a prioridade era atender um novo segmento de mercado, os pequenos escritórios e os profissionais autônomos, e, ao fazer isso, aprender com tecnologia de desenvolvimento de produto na nuvem. Com isso, uma nova linha de receita foi criada.
No estrangulamento da versão desktop do Themis, o objetivo sempre foi acompanhar e antever as necessidades dos clientes, permitindo-os acessar seus dados de qualquer lugar e, assim, aumentando o engajamento e a retenção.
A Aurum é outro bom exemplo de empresa digital cujo produto vendido pela empresa é o software ou tecnologia desenvolvida pela equipe de desenvolvimento do produto, mas com baixa maturidade digital e que melhorou ao longo do tempo.
Se você quiser se aprofundar na jornada de transformação digital da Aurum, confira esta entrevista.
Quando entrei no Gympass, em meados de 2018, a empresa já contava com 800 funcionários e tinha presença em 14 países. No entanto, toda a sua equipe de desenvolvimento de produto, incluindo engenheiros, designers de produto e gestoras de produto, tinha apenas 30 pessoas — menos de 4% da empresa estava focado em desenvolvimento de produto. O impacto dessa equipe muito pequena em relação ao tamanho da empresa era que, naquela época, muitas das tarefas do dia a dia com clientes e parceiros tinham que ser realizadas manualmente.
Por esse motivo, o Gympass tinha uma equipe de operações enorme para dar conta de todas essas tarefas manuais. Quanto mais vendia, mais pessoas eram necessárias no time de operações. E o aplicativo ainda era uma versão webview.
O C-level e o conselho reconheceram a necessidade de investir no digital para escalar a empresa, e essa equipe cresceu consideravelmente para cerca de 250 pessoas, que automatizaram muitas das tarefas de operações manuais e entregaram e evoluíram um aplicativo totalmente nativo.
Este é um exemplo interessante de empresa tradicional nascida digital, que vende um benefício corporativo aos seus clientes para que eles possam oferecer aos seus funcionários acesso a uma rede de dezenas de milhares de academias e estúdios, mas que possuía uma maturidade digital baixa. Isso normalmente acontece quando os fundadores de uma empresa nascida digital que está usando o digital para melhorar um negócio tradicional têm pouca ou nenhuma experiência anterior com produtos digitais. Se não trouxerem algumas pessoas com essa experiência para a equipe de founders, há boas chances de que a maturidade digital dessa empresa seja baixa.
Quando avaliamos uma empresa do ponto de vista de uso das tecnologias digitais, devemos pensar em duas dimensões. No eixo X, pensamos na natureza da empresa — se ela é digital, tradicional ou tradicional nascida digital — e, no eixo Y, avaliamos a sua maturidade digital, conforme a imagem a seguir:
Matriz natureza da empresa versus maturidade digital.
Essa é uma excelente pergunta e é a motivação que tenho para escrever este livro: ajudar as pessoas a aumentarem a maturidade digital de suas empresas.
Na próxima parte deste livro, sobre Princípios, contarei quais são os princípios que devem nortear uma transformação digital bem-sucedida e, na parte seguinte, de Ferramentas, mostrarei algumas das ferramentas que utilizei ao longo de minha carreira e que me ajudaram a reforçar os princípios e as mudanças comportamentais necessárias para que os princípios continuem gerando resultados.
Além dos princípios e ferramentas que veremos mais adiante, para aumentar ainda mais as chances de sucesso de sua transformação digital, eu recomendo:
Antes que você se anime e vá direto para conhecer os Princípios que servem de base para o sucesso de uma transformação digital, peço que você segure um pouco a ansiedade e leia com atenção o próximo capítulo, sobre Modelos de Negócio, conceito essencial para nos ajudar a entender onde o uso de tecnologias digitais pode gerar mais valor e resultados.
Antes de começar sua jornada de transformação digital, é importante entender que o tipo de sua empresa, que é sua natureza, não muda. A transformação digital vai ajudar a aumentar a maturidade digital, mas não vai mudar o tipo da sua empresa. Você só conseguirá mudar o tipo da empresa criando novas empresas, como o que o Itaú fez com o iti e o íon, e a Amazon fez com a AWS. Mas note que elas fizeram isso somente depois de atingir um grau alto de maturidade digital. Por esse motivo, o foco principal é aumentar a maturidade digital da sua empresa.
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente: