Tenho recebido com alguma frequência a pergunta sobre qual o impacto da Inteligência Artificial (IA) na função de gestão de produtos. Já ouvi até preocupações se a IA irá substituir a gestão de produtos e já vi anúncios de vagas para AI Product Managers. Coloquei nesse artigo como enxergo o impacto da IA na função de gestão de produtos.
Inteligência Artificial não é algo novo
Com o ChatGPT, o produto baseado em AI da empresa OpenAI que cria respostas a perguntas e demandas a partir de um base de texto, que foi lançando no final de novembro de 2022, muitas pessoas começaram a ter contato com uma utilização da Inteligência Artificial, a IA Generativa, que é a capacidade de um software criar textos, imagens, música, áudio, vídeo, e outros tipos de conteúdo a partir de demandas e/ou perguntas e de uma base grande informações, como outros textos, imagens, músicas, etc. O ChatGPT foi lançado originalmente como uma IA generativa de textos.
O ChatGPT talvez seja o produto mais popular de IA e depois dele surgiram vários outros, mas IA não é algo novo. É uma área de estudo que começou a ser discutida por Alan Turing no artigo “Computing Machinery and Intelligence” de 1950 onde ele propôs o famoso teste de Turing, que testa a capacidade de um computador de exibir comportamento inteligente equivalente ao de um ser humano, ou indistinguível deste.
De lá pra cá a IA vem se desenvolvendo muito, até chegar no ponto de IA Generativa e o ChatGPT como o produto que popularizou a IA.
Por isso, se você trabalha com desenvolvimento e gestão de produto desde antes de 2023 e só começou a se interessar por IA no ano passado, você está atrasado, muito atrasado! Você já deveria estar trabalhando com dados, ciência de dados, machine learning e inteligência artificial há algum tempo e já deveria ter pelo menos um case de teste de uso de IA em algum produto seu.
Na época da Locaweb, em 2014, começamos a usar ciência de dados para buscar prever quais clientes tinham mais propensão ao churn. Na Conta Azul, em 2017, nossa funcionalidade de conciliação bancária entendia o tipo de despesa que estava sendo registrada a partir da descrição e ia aprendendo com o uso, fazendo sugestões de categorização de despesas cada vez mais acertadas. No Gympass, em 2019, começamos a usar IA para sugerir novas academias para os usuários experimentarem, baseado em utilização de outros usuários e recomendações anteriores que tínhamos feito.
Na Lopes, costumávamos dizer que estávamos indo além da transformação digital, empenhados em fazer uma transformação baseada em dados e em inteligência artificial. Entendendo esse potencial enorme de nossa base de dados, que não só era grande, mas estava se atualizando com novos dados em uma velocidade muito rápida, decidimos em 2021 fazer um forte investimento em criar uma cultura orientada a dados. Tínhamos um time que chamávamos de Big Data que estava organizado em três funções: engenharia de dados, para criar e gerenciar a infraestrutura e ferramentas para gestão dos dados; análise de dados, para criação e gerenciamento de relatório; e a ciência de dados, para buscar padrões e insights a partir de nossos dados.
Junto a esse time Big Data tínhamos uma gestora de produtos de dados. Esse time criou e liderou várias iniciativas para nos ajudar a atingir o objetivo de criarmos uma forte cultura de dados em toda a empresa e explorarmos esse ponto forte que tínhamos:
Criamos um treinamento sobre dados e inteligência artificial aplicados a negócios que foi aberto para toda a empresa, não só para as pessoas do time de digital, com o objetivo de mostrar o que é ciência de dados e inteligência artificial e qual o seu potencial para a Lopes.
Criamos um treinamento técnico aprofundado para que todas as pessoas do time de engenharia de produtos, não só do time de Big Data, pudessem trabalhar com dados e eventualmente criar e manter algoritmos para os produtos em que trabalhassem.
O time desenvolveu soluções baseadas em dados e inteligência artificial que geraram ótimos resultados para a Lopes e para os clientes. Dentre as soluções, temos: o algoritmo de similaridade, que conseguiu aumentar a cobertura de imóveis similares de 72% para 99,5% no inventário de imóveis da Lopes, o que gerou um aumento de interesse, medido pela quantidade de cliques em imóveis similares, de 106%; segmentação inteligente de listas de contatos para os corretores, que conseguiu um aumento de 100% na taxa de contatos bem-sucedidos; implementação de RPA (Robotic Process Automation, ou automação robótica de processos), que nos permitiu aumentar a frequência de atualização de dados entre a Lopes e incorporadoras (que era de dias para poucas horas) e de leads (que era atualizado uma vez por dia e passou a ter atualização em tempo real). O Lopes Avalia, um produto lançado em 2000, é um avaliador inteligente de imóveis que se apoia na base de inventário da Lopes e foi feito a partir do desenvolvimento de modelos de precificação de imóveis utilizando aprendizado de máquina (Machine Learning).
HackatAI foi um hackathon focado em ciência de dados e inteligência artificial. No Lopes Labs, tínhamos o hábito de ter hackatons todo início de trimestre, para que as pessoas dos times se juntassem para trabalhar em problemas diferentes daqueles em que trabalhavam no dia a dia. Em 2021, fizemos uma edição do hackathon totalmente orientada a dados. Foram 9 grupos trabalhando em problemas bem interessantes do mercado imobiliário, como: tagueamento e identificação de itens em imagens de imóveis; melhoria da qualidade das imagens; reconhecimento de imóveis duplicados na base de dados; classificação de imóveis com base não só na descrição, mas também no conteúdo das imagens do imóvel; detecção de imóveis que poderiam ser potenciais oportunidades, dentre outros.
Tudo isso antes do “boom da IA” que aconteceu com o lançamento do ChatGPT. Veja nos gráficos abaixo que o ChatGPT realmente ajudou a popularizar a IA, mas que a IA existe e gera interessa há muito tempo:
IA é mais uma tecnologia com grande potencial de impactar o desenvolvimento de produtos
O que vimos em 2023 em relação a IA já aconteceu outras vezes no passado. Uma tecnologia que já existia há vários anos virando o foco principal da mídia, das empresas e dos profissionais devido a uma aplicação popular dessa tecnologia. Vou citar 3 exemplos:
Internet: sim, a Internet e a tecnologia de interconexão de computadores a longa distância começou bem antes da década de 1990. A internet surgiu, na década de 1960, como uma rede, chamada Arpanet, para envio de informações entre centro de pesquisas e instalações militares e o Pentágono. Na década de 1980, a internet expandiu seu uso para fins comerciais e privados. A rede chegou ao Brasil em 1988, sendo liberada para uso privado e comercial em 1994. No início da década de 1990 houve a criação da WWW (veja a primeira página web criada) e dos navegadores Mosaic e o Netscape, o que permitiu a popularização da internet. Em 1992 eu fundei, junto com mais 3 sócios, uma empresa chamada Dialdata que, inicialmente oferecia um serviço de BBS. Os BBSs, sigla que significa Bulletin Board System, eram sistemas de computador que podiam ser acessados por por seus usuários por telefone, via modem, e que davam acesso a troca de mensagens e de arquivos entre seus usuários. Era uma espécie de precursor da internet. Me lembro muito bem quando em 1994 tive acesso à internet pela primeira vez usando o discador Trumpet Winsock no Windows 3.1 para fazer a conexão discada à Embratel, único provedor de acesso à internet no Brasil na época, e em seguida abrir o navegador Mosaic. Fiquei maravilhado com as possibilidades, e me lembro de falar meus sócios que os BBSs iam acabar e tudo ia virar internet. A partir daí investimos toda a nossa energia em nos tornarmos um provedor de acesso e serviços de internet e, em meados de 1995 começamos a operar como um dos primeiros ISPs (Internet Service Providers) do Brasil. A partir daí eu comecei a estudar muito sobre internet e o que era possível fazer. Abaixo está uma foto minha na época do BBS em uma matéria do caderno de informática da Folha de São Paulo de setembro de 1993 e um dos primeiros sites que fiz, o da Dialdata, em 1995, abusando dos gifs animados e dos scripts cgi. (=
video: quando pensamos em video, pensamos em Netflix, Amazon Prime e Disney+. Também lembramos de Youtube. Além disso, a maioria dos sites e apps permite carregar vídeos. WhatsApp, Instagram, TikTok não seriam o que são sem os vídeos. Contudo, transmitir video na internet é algo antigo. A primeira transmissão de vídeo aconteceu em 1993, mas foi somente em 2005, quando Youtube foi lançado que a tecnologia de transmitir vídeos na internet começou a se popularizar e vários produtos começaram a fazer uso dessa tecnologia. Abaixo a primeira versão do site do Youtube, bem como o primeiro vídeo que foi carregado no Youtube.
smartphones e apps: o que hoje é algo comum, na década de 2000 era uma novidade. Os telefones celulares, que foram inventados na década de 1970, começarem a ficar populares no final da década de 1990 e, em meados da década de 2000 começaram a parecer os primeiros smartphones, com aqueles teclados grandes. Quem se lembra do Nokia E61? E do Blackberry? Em 2007 começamos a usar esses Nokias na Locaweb para ver como nosso sistema de email se adaptava a ele. E em 2007 Steve Jobs anunciava o iPhone, que combinava várias tecnologias já conhecidas, os smartphones com touch screen, uma tecnologia criada na década de 1980. E com o iPhone, e depois com o Android, veio a necessidade de criar sites adaptados aos aparelhos móveis e um novo mercado de aplicativos móveis. Nessa época na Locaweb começamos a não só entender o que precisamos fazer em nosso produtos para adaptá-los para o mobile, como também começamos a orientar nossos clientes, que tinham sites e também precisavam entender como adequar esses sites para os browsers dos celulares. Em 2012 começamos a criar o Locaweb Style, nosso design system que na época já tinha a preocupação de ser adaptável a telas menores. Abaixo fotos do Nokia E61, de um dos primeiros modelos Blackberry e o keynote em que o Steve Jobs apresenta o iPhone.
Repare que nos três exemplos temos uma ou mais tecnologias que existem há alguns anos, às vezes décadas, mas que por meio de um produto acessível e útil para uma grande quantidade de pessoas, acaba atingindo um ponto de inflexão e, consequentemente, provocando muitas mudanças no mercado e na forma como fazemos produtos.
internet: começou na década de 1960, mas somente na década de 1990 com a criação da WWW e dos navegadores Mosaic e o Netscape a internet começou a se popularizar.
video: a primeira transmissão de vídeo aconteceu em 1993, mas a capacidade de transmitir vídeos na internet só ganhou popularidade em 2005 com o Youtube.
smartphones e apps: telefones móveis foram inventados na década de 1970, começaram a ser comercializados na década 1980, ficaram populares na década de 1990 e no começo da década de 2000 começaram a aparecer os smartphones com aqueles teclados grandes. A tecnologia touch screen foi criada na década de 1980. Em meados da década de 2000, a Apple com o iPhone e depois o Google com o Android, juntaram essas tecnologias para criar o mercado de smartphones touch screen que conhecemos hoje.
inteligência artificial: mais uma vez é um tecnologia antiga, sobre a qual falamos desde 1950, que teve e tem várias aplicações práticas bem interessantes, mas que em 2023 entrou para o foco da mídia e das empresas graças ao ChatGPT, um produto que está ajudando a popularizar a IA.
O que a gestora de produtos e o time de desenvolvimento de produtos deve fazer?
Quando temos uma nova tecnologia, ou uma tecnologia que já existe mas que tem ganhado popularidade, precisamos avaliar, ou reavaliar, junto com o time de desenvolvimento de produto o impacto dessa tecnologia em nosso produto sob 3 diferentes perspectivas:
desenvolvimento: como essa tecnologia impacta o desenvolvimento do produto? Novas linguagens de programação? Novos bancos de dados? Novos frameworks de desenvolvimento? Novas formas de desenvolver, deploiar e operar produtos? Por exemplo, a IA, como ela pode impactar o desenvolvimento de produto?
interface: qual é o impacto dessa nova tecnologia na forma como o produto faz interface com os usuários? Interface mobile? Smartwatches? Smartglasses? Interfaces conversacionais? E o novo Apple Vision Pro?
imprevisível: além do impacto no desenvolvimento do produto e na interface do produto, essa nova tecnologia pode ter impactos imprevisíveis em nosso produto. Podemos conseguir fazer coisas com essa tecnologia que só são possíveis agora, por causa dessa nova tecnologia e nem imaginávamos que era possível.
A partir dessa avaliação, ou reavaliação, devemos junto com o time desenhar e executar um plano para poder tirar o melhor proveito possível desses impactos.
Qual é a próxima tecnologia?
Realidade virtual, realidade aumentada, e metaverso são conceitos já bem conhecidos. Já na década de 1950 a força aérea americana usava simuladores de vôo para treinar seus pilotos, tecnologias de realidade virtual. A realidade aumentada começou na década de 1960 e, na década de 2010 vimos o Google lançando o Google Glass mas com sucesso limitado. No campo do metaverso, Second Life, Minecraft e mais recentemente Roblox são mundos virtuais conhecidos. E o Facebook fez um movimento de mudar de nome para Meta, apostando no metaverso, mas também com pouco sucesso até o momento.
Em junho de 2023 a Apple apresentou o Apple Vision Pro. Ele estará disponível para pre-order em 19/Jan, e disponível a partir de 02/Fev.
Será que, assim como o iPhone, a Apple irá mais uma vez criar um ponto de inflexão para as tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada e metaverso com o que eles estão chamando de “computação espacial”? Como pessoas de produto, devemos não só acompanhar de perto, como também entender qual o potencial impacto da popularização dessas tecnologia para os produtos que cuidamos.
Resumindo
Inteligência Artificial não é algo novo. Se você trabalha com desenvolvimento e gestão de produto e só começou a se interessar por IA no ano passado, você está atrasado, muito atrasado!
2023 foi o ano em a IA se popularizou graças ao ChatGPT, produto da OpenAI. Esse padrão de tecnologias existentes há vários anos ganharem atenção devido a algum novo produto é um padrão que já aconteceu outras vezes:
internet: criada na década 1960 e popularizada pelo WWW e pelos navegores Mosaic e Netscape na década de 1990.
vídeo: primeira transmissão em 1993 foi popularizado com o Youtube em 2005.
smartphones e apps: com tecnologias da década de 1980, ganharam popularidade na segunda metada da década de 2000 com o iPhone e o Android.
inteligência artificial: primeiras experimentos são da década de 1950, e ganhou popularidade em 2023 com o ChatGPT.
a pessoa gestora de produto e o time de desenvolvimento de produto devem avaliar, ou reavaliar, o impacto dessa tecnologia em seu produto considerando três perspectivas: impacto na forma de desenvolver o produto, impacto em como produto faz inteface com usuário e impacto imprevisível, uma vez que uma nova tecnologia pode permitir coisas simplesmente impesáveis antes de ela existir.
talvez estejamos próximos de assistir mais um produto que pode colocar no foco de nossas atenções tecnologias que existem há décadas, realidade virtual, realidade aumentada e metaverso. É o lançamento do Apple Vision Pro, que foi anunciado em junho de 2023 e irá acontecer agora no começo de 2024. Como pessoas de produto, devemos entender qual o potencial impacto da popularização dessas tecnologia para os produtos que cuidamos.
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