Vou fazer uma pausa nos artigos que estou publicando que são capítulos do meu último livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“ para falar de um tema que percebi que não abordei com a devida profundidade.
Aliás, pretendo esse ano me dedicar a falar mais sobre o tema discovery, como parte do trabalho de uma nova edição do meu primeiro livro, o “Guia da Startup“, cuja primeira edição é de 2011 e a 2ª edição é de 2017. Já falei por aqui sobre:
Nessa lista de artigos está faltando um tema que é um conceito muito falado no meio das startups, mas sobre o qual eu ainda não falei de forma estruturada.
Quem me conhece sabe que gosto de definições claras, então vamos começar com a definição de product-market fit:
Product-market fit é o grau em que um produto satisfaz uma forte demanda do mercado. (Fonte: Wikipedia)
Esse termo foi popularizado em meados dos anos 2000 por Marc Andreessen, co-founder da Netscape e da fundo de investimento Andreessen Horowitz, quando ele dizia para founders de startups que “a única coisa que importa [para uma startup] é chegar ao product-market fit.”
Sem dúvida ter product-market fit, ou PMF como é costumeiramente abreviado, é essencial para a sobrevivência de startups e de qualquer empresa. Contudo, ao dizermos frases como “chegar ao PMF”, podemos cair em duas falácias:
Vamos nos aprofundar nessas duas falácias.
Muitas pessoas acreditam que ter PMF é uma questão de sim ou não, ou você tem product-market fit, ou você não tem. Só que PMF não é um conceito 0 ou 1. Na própria definição está escrito que é “o grau em que um produto satisfaz uma forte demanda do mercado”, e esse grau de satisfação significa que seu produto pode satisfazer um pouco, pode satisfazer muito, pode não satisfazer, pode satisfazer completamente.
Sean Ellis, autor do livro “Hacking Growth” e a primeira pessoa de marketing do Dropbox, criou um teste para ajudar as pessoas a saber se tem algum grau de product-market fit. É chamado de “teste Sean Ellis” ou “teste dos 40%“, onde perguntamos para as clientes e usuárias de um produto o quão desapontadas elas ficariam se ela não pudesse mais utilizar o produto:
Quando se tem 40% ou mais de pessoas que se dizem “muito desapontadas” caso não possam mais utilizar o produto Sean Ellis diz que há boas chances de se ter o product-market fit de seu produto com esse grupo de pessoas. Jag Duggal, CPO do Nubank, disse em um episódio do “Lenny’s Podcast” que usam o teste dos 40% com todas as novas funcionalidades que pretendem lançar mas que, pelo fato de “os brasileiros serem culturalmente mais felizes do que a média global”, no Nubank eles decidiram subir a quantidade de “muito desapontados” para 50%.
Lenny Rachitsky compilou uma lista com várias definições sobre product-market fit, incluindo o teste dos 40% e vários outras formas de entender um produto atingiu o product-market fit. Marty Cagan disse em um artigo de 2014 sobre product-market fit que o teste dos 40% é bom para produtos B2C e que, para produtos B2B, ele recomenda ter alguns clientes referenciáveis, que são clientes dispostos a dar testemunho positivo sobre seu produto. Nesse artigo ele fala que costuma recomendar ter pelo menos 6 clientes referenciáveis.
Como podemos ver, existem várias definições de PMF e todas elas têm algum tipo de graduação, o que deixa claro que PMF não é um conceito binário, do tipo tem ou não tem.
Precisamos lembrar que PMF tem dois companentes: o produto e o mercado (market). É um conceito que nos ajuda a entender o quanto um produto resolve um problema ou atende uma necessidade de um grupo de pessoas (mercado). Esse produto pode resolver um problema muito bem para algumas pessoas e não tão bem para outras. Ao falarmos de product-market fit, precisamos entender essas nunaces para melhor direcionar nossas decisões em relação ao produto.
Em 2017, quando eu estava na Conta Azul, tínhamos mais de 25.000 clientes, ou seja, já tínhamos algum PMF. Lá tínhamos o hábito de constantemente visitar e conversar com clientes, para entender como eles utilizam o Conta Azul. Certa vez eu tive a oportunidade de visitar uma loja que vendia itens de presentes criativos em Joinville. Era uma cliente muito satisfeita e contente com o produto Conta Azul e com o atendimento que ela recebia sempre que entrava em contato conosco.
O produto da Conta Azul funcionava muito bem para empresas dos segmentos de serviços, de indústria e também para empresas de comércio que vendiam produtos por meio de pedidos. Contudo, não funcionava bem para empresas de comércio de balcão, ou seja, lojas que atendem e vendem produtos em um lugar físico. Isso acontecia porque não tínhamos funcionalidades de frente de caixa ou PDV (ponto de venda). Frente de caixa é a última etapa do processo de compra dentro do comércio varejista. É o momento em que o cliente finaliza o processo de aquisição e faz o pagamento do produto adquirido na “frente do caixa”.
Por esse motivo, estávamos muito curiosos para entender como aquela cliente que vendia itens de presentes criativos estava tão satisfeita com o Conta Azul sendo que não tínhamos uma funcionalidade chave para a operação diária dela. Na visita, pedimos para ela nos contar como era sua operação diária. Ela dizia que ao longo do dia fazia as vendas e anotava todos os dados das clientes em um caderno. Ao chegar no final do dia, fechava a loja e acessava o Conta Azul para passar todas as vendas feitas no dia para o sistema e assim emitir as Notas Fiscais e ter o controle completo de seu fluxo financeiro.
Essa visita deixou claro que definitivamente não tínhamos um alto grau de PMF para esse tipo de cliente e acabou nos motivando as construir a funcionalidade de Frente de Caixa Online.
Quando atingimos um determinado grau de product-market fit, podemos ter a impressão que agora devemos nos focar exclusivamente em escalar, ou seja, em aumentar a quantidade de clientes e usuários do produto. Sim, devemos nos focar em escalar, mas esse não pode ser nosso único foco. Devemos continuar desenvolvendo o produto e entendendo mais sobre o mercado, nossas clientes e usuárias. Suas necessidades podem e irão mudar e precisaremos evoluir nosso produto para atender essas novas necessidades. Caso contrário, esse “sucesso” por ter atingido algum grau de product-market fit será bastante efêmero.
A evolução do produto, para buscar manter o produto com algum grau de PMF, é uma das principais responsabilidades da gestão de produto e do time de desenvolvimento de produto.
A Locaweb começou a operar em 1998 e seu produto principal era a Hospedagem de Sites. Podemos afirmar com certeza que o produto de Hospedagem de Sites da Locaweb atingiu um bom nível de PMF, uma vez que é um produto vendido até hoje. Contudo, mesmo atingindo um bom nível de PMF, sempre houve a preocupação em entender como o mercado e, consequentemente, as necessidades das clientes estava evoluindo. Veja as diferenças entre a Hospedagem de Sites de 1998 comparado com a que é oferecida hoje:
1998 | 2024 | |
---|---|---|
Preço | R$ 29,00 / mês | De R$ 9,90 a R$ 49,90 por mês |
Espaço | 50 MB | Ilimitado |
Transferência | 2 GB mês | Ilimitada |
Linguagens de programação e bancos de dados | Windows (ASP, FrontPage 98/2000, Access 97/2000, ColdFusion, PERL) e Linux (Perl, PHP3, MySQL e PostgreSQL) | PHP 7.0, 7.1, 7.2, 7.3, 7.4, 8.0, 8.1, 8.2 e 8.3, MySQL 5.7, PostgreSQL 9.5 |
Caixas Postais | 10 | De 1 a 100 |
Não é porque a Locaweb encontrou um bim nível de PMF no seu início que ela se preocupou exclusivamente em escalar. O time estava constantemente avaliando as novidades do mercado de hospedagem de sites e a evolução das necessidades das clientes para evoluir o produto e, assim, manter o bom nível de PMF. Se o produto não fosse constantemente atualizado, iria diminuir gradativamente o PMF até o produto ficar irrelevante no mercado e não ter mais venda.
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente: