Para aumentar a chance de sucesso de uma transformação digital, é preciso criar e fomentar uma cultura digital, que também é conhecida como cultura de produto.
A palavra cultura vem do latim culere, que significa “cultivar”. Edgar Schein, professor da escola de administração de empresas do MIT, foi uma das primeiras pessoas a falar sobre cultura organizacional nos anos 1970. Segundo ele, cada empresa tinha sua própria personalidade e sua própria forma de agir e reagir às situações, forma esta que é passada de funcionário para funcionário desde as pessoas fundadoras da empresa.
CULTURA ORGANIZACIONAL
“Cultura é um conjunto de premissas que foram aprendidas e compartilhadas por um grupo de pessoas enquanto resolviam problemas de adaptação externa e de integração interna. Esse conjunto de premissas funciona bem o suficiente para ser considerado válido e, consequentemente, ser ensinado aos novos membros do grupo como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.” Edgard Schien
Explicando de uma forma ainda mais resumida, cultura nada mais é do que o conjunto de princípios e comportamentos que um grupo de pessoas utiliza em seu dia a dia. A cultura vem das fundadoras da empresa. As fundadoras têm sua própria cultura e é natural que a imprimam na organização que estão criando. Em função disso, é muito comum se pensar que ela é algo que emerge em uma organização. Schein alerta que isso é um engano. Culturas podem e devem ser planejadas, e é nosso papel e nossa responsabilidade planejar e promover a cultura da empresa.
A cultura ágil é um conjunto de princípios e comportamentos elaborados para ajudar a melhorar o processo de desenvolvimento de software. Foi criado em 2001 por 17 pessoas desenvolvedoras de software com a seguinte declaração:
MANIFESTO ÁGIL
Estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software, fazendo-o nós mesmos e ajudando outros a fazerem o mesmo. Através deste trabalho, passamos a valorizar:
Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas
Software em funcionamento mais que documentação abrangente
Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos
Responder a mudanças mais que seguir um plano
Ou seja, mesmo havendo valor nos itens à direita, valorizamos mais os itens à esquerda.
Fonte: Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software
Note que o Manifesto Ágil não fala nada de metodologias ágeis nem dos termos Scrum, sprint, Kanban, dailies, retrospectiva, planejamento de sprint etc. Ele se refere a princípios e comportamentos. É comum encontrar empresas que dizem que estão fazendo transformação digital porque implementaram alguma metodologia ágil, que fazem sprints de duas semanas, que os times fazem dailies e mais um monte de outras cerimônias e termos das metodologias ágeis. É até um bom começo, mas implementar metodologia ágil sem entender a cultura ágil e seus princípios dificilmente fará essa empresa tirar o melhor proveito do uso da tecnologia para potencializar o negócio.
Está claro que só usar as metodologias ágeis não é suficiente. É preciso ter e cultivar uma cultura ágil, praticando seus princípios constantemente. A dúvida que vem a seguir é: ter uma cultura ágil é suficiente para o sucesso da transformação digital?
A resposta curta é “não”. A cultura ágil é um passo muito importante para a entrega de produtos digitais melhores, mas não é suficiente. Note que, no Manifesto Ágil, está dito que “estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software“. Coloquei a ênfase nas palavras maneiras melhores porque essas palavras mostram claramente o propósito da cultura ágil e seus princípios de melhorar o processo de desenvolvimento de software.
Vou fazer uma pequena mudança nessa frase para mostrar o que não está coberto pelo Manifesto Ágil. Imagine que, em vez de ser “estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software“, a frase fosse “estamos descobrindo maneiras de desenvolver softwares melhores“. Nessa frase, eu movi propositalmente o foco para desenvolver e entregar softwares melhores, que ajudam a atingir os objetivos da empresa dona do software, enquanto resolve os problemas e atende às necessidades de seus clientes.
A cultura ágil é muito importante para a transformação digital, mas não é suficiente. É preciso algo mais!
Assim como no mundo ágil existem várias metodologias e frameworks, é comum ouvir comentários de pessoas que estão conhecendo a área de gestão e desenvolvimento de produtos digitais, e mesmo daquelas que já estão dentro há alguns anos, de que essa área é cheia de frameworks, uma palavra em inglês que pode ser livremente traduzida para “ferramentas”.
Visão de produto, mapa de troca de valor, estratégia de produto, estrutura de time, tribo, squad, capítulo, OKR (Objectives and Key Results), roadmap, backlog, design sprint, Scrum, sprint, retrospectiva, design thinking, persona, ICP (Ideal Customer Profile), mapa de empatia, metodologias ágeis, Kanban, daily review, lean startup, user story mapping, jobs to be done, testes A/B, product analytics, customer development, growth, product-led growth, AARRR (aquisição, ativação, retenção, receita e recomendação), MVP (Minimum Viable Product), business model canvas, customer journey maps, lean inception, product backlog building, continuous delivery, kano model, matriz valor vs. esforço, matriz BCG, ciclo de vida de um produto, análise SWOT, RASCI (responsible, accountable, support, communicated, informed), matriz poder-interesse, e assim vai.
Não é à toa que as pessoas se assustam. A quantidade de ferramentas e frameworks é enorme, e ainda tem um monte com nomes em inglês de difícil tradução para o português (roadmap = mapa da estrada?).
É importante conhecer essas ferramentas e saber como usá-las.
Algumas são usadas com mais frequência, outras com menos frequência, mas elas só são úteis quando usadas para as situações e os problemas mais apropriados. Fazendo uma analogia com ferramentas físicas, mesmo para fixar um parafuso existem diferentes tipos de ferramentas, tais como chave-de-fenda, chave philips e chave allen, que são apropriadas para diferentes tipos de parafuso. Você não conseguirá muito progresso se utilizar uma chave philips em um parafuso que precisa de uma chave allen.
Antes de conhecer as ferramentas, é muito importante entender os princípios que norteiam o desenvolvimento e a gestão de produtos em empresas de sucesso como Google, Amazon, Netflix e Apple, pois são esses princípios que justificam o uso desta ou daquela ferramenta.
Um PRINCÍPIO é uma proposição ou valor que é um guia para um comportamento ou uma avaliação. Fonte: Wikipédia
Princípio é aquilo que norteia o comportamento que devemos ter quando lidamos com alguma situação. São os princípios que compõem uma cultura.
Quando uma empresa decide iniciar uma transformação digital, adotando tecnologias digitais para potencializar o negócio, não basta entender sobre as novas tecnologias que serão utilizadas, é preciso também adotar novos princípios e comportamentos para poder extrair o máximo de valor dessas novas tecnologias. É preciso adotar uma cultura digital, que também é conhecida como cultura de produto.
Existe um conjunto de quatro princípios que são o núcleo de todo time de desenvolvimento de produtos digitais de sucesso. São os princípios que compõem a cultura de produto digital, que nada mais é do que o conjunto de comportamentos utilizado pelos times de desenvolvimento de produtos digitais que produzem os melhores resultados. Os quatro princípios, que serão tema da próxima parte deste livro, são:
Para ajudar no entendimento de como metodologias, frameworks, cultura digital e cultura de produto se relacionam, criei uma imagem que busca tangibilizar melhor esse relacionamento.
Metodologias, frameworks, agilidade e cultura de produto.
A seta representa o caminho que vejo as empresas percorrerem quando estão passando por uma transformação digital. Primeiro, colocam um monte de ferramentas e metodologias; depois, percebem que isso não é suficiente, aí entendem que é necessário um trabalho de cultura ágil, o que já melhora bastante a maturidade digital da empresa, pois ela passa a entender os princípios por trás das ferramentas e metodologias. Só que ainda não é suficiente, e aí entra a cultura de produto, para reforçar a conexão entre o que está sendo feito (produtos digitais), os objetivos da empresa e os problemas dos clientes.
A seta mostra que esse é o caminho mais comum que as empresas seguem, mas não é necessariamente o mais indicado. O mais indicado é o entendimento de que os três aspectos (ferramentas e metodologias + cultura ágil + cultura de produto) são necessários para ter sucesso em uma transformação digital e que devemos trabalhar simultaneamente nos três.
Já existem bons livros e cursos sobre as ferramentas, metodologias e sobre a cultura ágil. Por isso, na próxima parte do livro, eu vou focar na cultura de produto e nos princípios que servem de base para o sucesso de uma transformação digital!
Já encontrei várias empresas que estavam usando metodologias ágeis e consideravam que tinham feito a transformação digital. Cuidado! Metodologias ágeis são somente o processo por trás da cultura ágil. Somente seguir alguma metodologia ágil não vai ajudar você a criar produtos melhores, que ajudem sua empresa a atingir seus objetivos, enquanto resolve problemas e atende a necessidades de seus clientes. É preciso mudança de comportamento; é preciso uma mudança cultural.
E não basta ter uma cultura ágil. É necessário ir além e ter uma cultura de produto digital, que é o que vai ajudar você e sua empresa a construir produtos digitais melhores, a atingir seus objetivos estratégicos e a resolver os problemas e necessidades de seus clientes.
Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente: