Em uma sessão de mentoria recente, uma head de produto me contou: “Defini a visão de produto, validei com a founder, o conselho e toda a liderança. Mas, depois da apresentação, as conversas voltaram para o tema de próximas features e datas de entrega.” Soa familiar?
Isso é comum. Mas por quê? Definir a visão é essencial, mas, sozinha, ela não resolve o dia a dia. Falta definir o como vamos chegar lá, que é a estratégia de produto.
A visão de produto é o destino: aonde vocês concordaram que querem chegar. A estratégia é o caminho para chegar lá. Quando as stakeholders discutem features, na verdade, estão buscando clareza sobre o plano para construir essa visão, sobre esse caminho para chegar lá.
Por isso, da próxima vez que o conversa com stakeholders virar para features, mesmo vocês tendo concordado sobre a visão de produto, é provável que a estratégia de produto não esteja clara.
É responsabilidade da head de produto definir a estratégia de produto, o caminho que vai ser percorrido para chegar até a visão.
Para construir uma estratégia de produto, gosto de utilizar duas ferramentas: a análise de mercado e a análise SWOT.
Para criação da sua estratégia, você precisa ter um bom entendimento do seu mercado em relação a seis aspectos:
Provavelmente esse tipo de análise tem sido feito de forma pontual para alguns aspectos específicos em sua empresa. Minha recomendação é transformar a análise de mercado uma disciplina permanente, isto é, uma vez criada a primeira versão com os itens aqui descritos, atualizar mensalmente para garantir ter as informações mais atualizadas sobre o seu mercado.
De posse da sua análise de mercado, o próximo passo é entender a posição do seu produto nesse mercado — tanto a posição atual quanto a posição que você deseja ocupar quando tiver executado sua visão de produto. Uma boa ferramenta para ajudar nesse entendimento é fazer uma análise SWOT, sigla em inglês para Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats, ou pontos fortes, oportunidades, fraquezas e ameaças do seu produto. Já encontrei versões em português com o nome FOFA.
Os pontos fortes e os pontos fracos são itens internos do seu time de desenvolvimento de produto, ou da sua empresa, sobre os quais você, seu time ou sua empresa têm algum controle, que ajudam ou atrapalham o caminho de seu produto para atingir a sua visão. As oportunidades e ameaças são os elementos externos à organização, isto é, sobre os quais a organização não tem controle, e que podem influenciar positiva ou negativamente no atingimento da visão do produto.
A análise de mercado descrita anteriormente é um excelente insumo de itens que podem entrar em sua análise SWOT. Além da análise de mercado, o capítulo sobre Modelos de negócio também oferece bons insumos para construir o SWOT. Você tem um produto B2B Enterprise e sofre com as customizações pedidas pelos clientes? Cada novo pedido de cliente está atrapalhando o planejamento do que você pretende fazer com o produto? Esse pode ser um ponto fraco a ser endereçado em sua estratégia. Os modelos de plataforma ou marketplace podem fazer sentido para o seu negócio? Isso pode ser uma oportunidade para você explorar em sua estratégia. No capítulo Tipo de empresa x maturidade digital você conheceu o conceito de maturidade digital, e no capítulo Medindo a maturidade digital, mais adiante, você verá como avaliar a maturidade digital de sua empresa, que pode ser uma fraqueza a ser trabalhada em sua estratégia.
Preencher o SWOT deve ser um trabalho de equipe. Devemos ter uma ou mais sessões com as pessoas que podem contribuir para essa análise. Líderes do time de desenvolvimento de produto e líderes da empresa são o público indicado para esse tipo de sessão.
Como organizar uma sessão de análise SWOT:
Pronto! Agora você tem mãos uma análise SWOT com os 12 principais itens que impactam positiva e negativamente sua habilidade de chegar à sua visão.
Uma vez construída a versão final da análise SWOT, teremos 12 itens que podem servir de foco da estratégia. Digo que “podem”, pois não devemos trabalhar os 12 itens. Quem tem muitas prioridades não tem prioridade. Desses 12 itens, devem ser escolhidos de 3 a 5 itens. Uma votação entre os participantes, cada um podendo dar 3 votos, é uma forma de fazer essa seleção.
Uma dica que costumo dar é que os itens que são pontos fortes normalmente não precisam ser melhorados, só mantidos. O mesmo acontece com as ameaças, normalmente não há muito a fazer a não ser monitorar. Um exemplo de ameaça no mercado imobiliário é o Banco Central decidir aumentar a taxa Selic. Não há muito a fazer a não ser monitorar e reagir a essas mudanças.
Então sobram 6 itens, sendo 3 fraquezas e 3 oportunidades para vocês escolherem de 3 a 5 itens para ser seu foco estratégico. Essa escolha pode ser feita por meio de votação entre as pessoas que participaram da construção da análise SWOT, tendo cada uma 3 votos. Cada pessoa faz sua votação, e os 3 a 5 itens mais votados de seu SWOT comporão a estratégia para lhe ajudar a chegar mais perto de sua visão.
Tenho rodado esse tipo de atividade com meus clientes com bastante sucesso. Após algumas poucas sessões, conseguimos definir uma estratégia bastante sólida para servir de guia para o planejamento dos próximos 6 e 12 meses. Ter a clareza de sua estratégia é fundamental para a definição dos seus objetivos e resultados-chaves, em inglês, objectives and key results ou OKRs, ferramenta que vamos conhecer no capítulo intitulado OKRs.
Além do SWOT, uma outra forma de gerar insumos para estratégia é por meio de perguntas sobre dúvidas e preocupações. Quando temos uma visão, uma clareza de onde queremos chegar, é normal termos uma série de dúvidas e preocupações sobre como vamos chegar lá. É algo que pode também ser feito em grupo, onde todos trazem suas dúvidas e preocupações e, após uma votação, são definidas de 3 a 5 dúvidas ou preocupações a serem trabalhadas. Esse modelo de dúvidas e preocupações eu usei na Lopes e também na minha empresa de consultoria, a Gyaco.
Uma vez construída a estratégia, é importante revisá-la periodicamente, pois o mercado muda e a sua empresa muda. É importante entender se aquela estratégia ainda faz sentido ou se apareceram novos elementos que podem influenciar a estratégia.
A cada seis meses ou a cada ano é uma boa periodicidade, ou quando algum evento relevante acontecer. Por exemplo, quando aconteceu a crise da COVID-19, todas as empresas tinham acabado de fazer seu planejamento para 2020 e estavam começando a dar seus primeiros passos na execução da estratégia, quando a pandemia forçou as pessoas a ficarem em casa e todos os comércios a fecharem. Todas as empresas tiveram que mudar consideravelmente suas estratégias para esse novo cenário do mercado. Outro tipo de evento que pode forçar uma revisão da estratégia é a compra ou fusão de empresas. Quando uma empresa adquire uma outra empresa, certamente as estratégias das duas empresas precisarão ser revistas para se adequar a esse novo cenário.
Exemplo: Gyaco
A visão da Gyaco, minha empresa, é:
Gyaco conecta negócios e tecnologia por meio de treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Quando defini essa visão, em 2022, quando decidi me focar na Gyaco em tempo integral, eu comecei a analisar o mercado, e me fiz uma série de perguntas sobre essa minha nova empreitada:
Veja que, como a Gyaco é uma empresa individual (solopreneur), é natural que algumas dessas dúvidas sejam também dúvidas pessoais. A partir dessas perguntas e dúvidas, defini os seguintes objetivos estratégicos para a Gyaco em 2023:
Uma vez que você sabe para onde quer ir, o próximo passo é definir que caminho percorrer para chegar lá. Essa é sua estratégia, um passo muito importante para o sucesso de sua jornada de transformação digital.
Da mesma forma que para construir a visão, as técnicas e ferramentas que compartilhei aqui funcionaram para mim ao longo da minha carreira, nas empresas com as quais trabalhei. Fique à vontade para usá-las ou para buscar outras ferramentas – e até mesmo criar suas próprias — que podem ser mais úteis para o seu contexto.
Independentemente da técnica que você use, defina sua estratégia o quanto antes. Afinal, uma visão sem um caminho para chegar a essa visão não vai lhe servir para muita coisa.
Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente: