Já lhe convenci de que quem não diversifica pode ficar em situação complicada, pois empresa de um único produto acaba morrendo cedo ou tarde. Expliquei também estratégias para diversificação de portfólio e mostrei como gerenciar um portfólio de produtos.
Por outro lado, existem vários exemplos de empresas que optaram pelo foco. Uma história bem interessante de foco é a empresa 37signals. Eles eram uma empresa de desenvolvimento de sites. Para ajudá-los no acompanhamento dos projetos de desenvolvimento de site, eles desenvolveram um software que permitia maior visibilidade do andamento do projeto para todas as pessoas envolvidas nele, incluindo o cliente.
Os clientes gostavam de interagir nesse software e pediam ao pessoal da 37signals para usar esse software em outros projetos de suas empresas. Nesse momento, a 37signals decidiu transformar esse software em um produto que pudesse ser comercializado, e deram a ele o nome Basecamp. Em pouco tempo, eles pararam de desenvolver software sob demanda e focaram toda atenção no produto Basecamp.
Depois de algum tempo, seguindo a estratégia de diversificação de portfólio que já descrevi em posts anteriores (1, 2 e 3), eles lançaram mais produtos: Highrise, um sistema de gestão de contatos; Backpack, sistema de comunicação interna; e Campfire, sistema de chat para empresas.
No início de 2014, a 37signals decidiu adotar uma nova estratégia. Decidiu que, dali para a frente, se focaria 100% no Basecamp. Os outros produtos não iriam mais aceitar novos clientes. E a “cereja do bolo” dessa estratégia foi a mudança do nome da empresa, que deixaria de se chamar 37signals para passar a se chamar Basecamp. Essas mudanças acabaram sendo tema de um artigo da Harvard Business Review intitulado “Basecamp’s Strategy Offers a Useful Reminder: Less Is More“, no qual o autor diz:
“É uma tendência natural do ser humano querer fazer mais. A maioria de nós tem dificuldade em se distanciar de oportunidades tentadoras, quer seja na mesa de jantar, quer seja no trabalho. Por isso acabamos com indigestão em casa, ou sobrecarregados no trabalho. Por isso é preciso muita disciplina, e até mesmo coragem, para emagrecer, tanto fisicamente quanto estrategicamente.”
Foco não é uma estratégia tão rara. Alguns outros exemplos do mundo do software:
Por outro lado, já falamos do Google com seus 177 produtos e seus mais de 70 produtos descontinuados. Esse vasto portfólio acabou fazendo-os rever sua estratégia de marca, e criar uma “empresa mãe” chamada Alphabet, da qual o Google seria apenas uma das empresas, e várias empresas dos outros produtos do Google passariam a ser independentes. Essa não deixa de ser uma estratégia de aumento de foco, mas, mesmo assim, o Google continua sendo uma empresa de vários produtos (Search, Adwords, Gmail, Google Apps, Google App Engine, Youtube, Android etc.).
Outro exemplo extremo de diversificação de portfólio é a 3M, que tem um mais de 55.000 produtos em seu portfólio. É isso mesmo, você leu certo, mais de 55.000 produtos em seu portfólio. Imagina só a matriz BCG da 3M. 😛
Com os exemplos citados, fica a dúvida: afinal, qual é a melhor estratégia, diversificação ou foco?
Quando eu estava preparando uma apresentação sobre esse tema, chamou-me a atenção a grafia das duas palavras. Foco é uma palavra bem curta, de 4 letras, composta de 3 letras distintas, enquanto diversificação tem 14 letras, sendo 10 letras distintas, mais duas letras com mudança (o “ç” e o “ã”). Acho curioso que a complexidade da grafia das palavras tem tudo a ver com seu significado.
Para entender qual é a melhor estratégia, precisamos primeiro entender quais os pontos negativos de cada uma delas.
Quando uma empresa é focada em um único produto, ela perde a oportunidade de resolver outros problemas de seus clientes, o que pode ser ruim por dois motivos. O primeiro (e bem óbvio) é o fato de perder oportunidade de obter nova receita. O segundo motivo (não tão óbvio) é o risco de perder o cliente, pois quando este procurar quem pode resolver esse outro problema, pode encontrar alguém que não só resolve esse outro problema, mas também o problema inicial que seu produto já resolve, e esse seu cliente pode decidir concentrar tudo nesse novo fornecedor.
Além disso, como já vimos antes, uma empresa de um único produto pode eventualmente morrer, quer seja porque seu produto não cruzou o abismo, ou porque o produto chegou a maturidade.
Por outro lado, a diversificação também tem suas desvantagens. A primeira delas é o fato de se precisar de mais investimento para poder cuidar de mais de um produto. Será necessário ter uma equipe de desenvolvimento para cada um de seus produtos, e isso pode ter um custo alto.
Outra desvantagem são os desperdícios inerentes à estrutura de grupos diferentes trabalhando em coisas parecidas. Por exemplo, na Locaweb temos vários produtos que têm por funcionalidade permitir que o cliente envie e-mails; o próprio produto de e-mail, a hospedagem de sites, a revenda de hospedagem, o e-mail marketing e o SMTP. Como são grupos diferentes que cuidam de cada um desses produtos, a arquitetura de cada um deles não necessariamente aproveita os aprendizados e a infraestrutura dos outros.
Para poder escolher entre essas duas estratégias, é preciso olhar tanto para fatores internos da empresa quanto para externos.
O fator interno a ser olhado e entendido é a cultura da empresa. Se a sua empresa tem uma cultura que valoriza muito o empreendedorismo, é muito provável que o mais indicado seja a diversificação. Por outro lado, se a cultura da empresa valoriza muito a excelência, o mais apropriado é adotar uma estratégia de foco em um único produto. No caso da Locaweb, sempre tivemos um espírito empreendedor muito forte, desde os fundadores. Apesar de a excelência ser importante para nós, o empreendedorismo é mais.
Contudo, olhar só os fatores internos não é suficiente. É preciso também olhar e entender os fatores externos à sua empresa, ou seja, o mercado. Se você estiver em um mercado pequeno, de baixo crescimento, ou de muita competição, a diversificação é o mais apropriado. Já se você estiver em um mercado mal servido, foco é a melhor opção.
No caso da Locaweb, enfrentamos competição em todas as nossas linhas de produto. Recentemente, temos começado a ter concorrência internacional atuando no Brasil em todas as nossas principais linhas de negócio. Por isso, a diversificação é a estratégia mais apropriada para nós.
Como expliquei no final desse artigo, uma empresa de um único produto vai eventualmente morrer, pois, ou seu produto não cruzará o abismo, ou, se cruzar, vai eventualmente chegar ao fim de vida.
Contudo, como vimos, existem várias empresas que optam por foco em único produto em vez da diversificação de portfólio. Isso significa que essas empresas estão fadadas a morrer? Sim, mas, o fato de elas saberem disso as faz pensar melhor sobre o futuro, e o que acaba acontecendo é que elas não só se preparam para o fim de vida, como planejam o fim de vida e as novas versões do seu produto que virão a seguir.
A TV é um produto cujo mercado amadureceu muito rápido e atingiu 100% de penetração em uns 30 anos.
É por isso que os seus fabricantes estão sempre inventando algo novo para nos fazer comprar uma nova TV: primeiro eram em preto e branco, depois vieram as TVs coloridas. Tela plana, plasma, LCD, LED e agora temos SmartTV. Tudo isso para que eles continuassem tendo nova receita de seus clientes após o fim de vida do produto anterior.
Então, tanto foco como diversificação são estratégias válidas. O importante é entender bem os prós e os contras de cada uma delas, e entender em que contexto cada uma é a mais apropriada.
Se você decidir focar em um produto, ou mesmo uma estratégia de diversificação, quando estiver com um ou mais produtos que são grandes, com muitos recursos, você pensa em aplicar o ciclo de vida de quatro fases, não apenas a um produto como um todo, mas também aos seus principais recursos.
Para dar um exemplo, vamos imaginar todo o nosso produto sendo o LinkedIn. Digamos que nós decidimos desenvolver um novo recurso, por exemplo, o de publicação de artigos no LinkedIn. Durante a fase de inovação de recursos, teremos que encontrar o ajuste do produto ao mercado. Nesse caso, será o ajuste do recurso ao mercado, e o mercado é toda a base de usuários do LinkedIn.
Se conseguirmos encontrar o ajuste do recurso ao mercado, é hora de aumentar o uso dos recursos, ou seja, implementar recursos adicionais ao recurso de publicação que acabamos de lançar, para que possa ser um recurso completo a ser usado pelo número máximo de potenciais usuários.
Após o crescimento da adoção do recurso de publicação na base de usuários do LinkedIn, vem a maturidade do recurso. Nesse estágio, o recurso de publicação está completo em termos de suas possibilidades e, como é usado pela maioria da base de usuários, seu crescimento diminui.
Depois, após o crescimento, chega o estágio final da vida útil do recurso de publicação. Isso pode acontecer se o LinkedIn como um todo entrar nessa fase ou se o recurso for substituído ou descontinuado por qualquer motivo. Da próxima vez que você decidir desenvolver e lançar um recurso importante para o seu produto, você pode aplicar a visualização do ciclo de vida do produto para ajudá-lo a gerir o ciclo de vida desse novo recurso importante.
Neste post, vimos que nem só de diversificação de portfólio vive uma empresa de produto de software. É possível sobreviver mantendo 100% do foco em único produto. Aliás, várias empresas optam por esse caminho com sucesso.
Na Locaweb, optamos pela estratégia de diversificação, tanto devido a motivadores internos e a cultura empreendedora, quanto motivadores externos, como o constante aumento de concorrência em todas as nossas linhas de negócio.
Com certa frequência, recebemos questionamentos tanto de funcionários quanto de clientes e parceiros sobre nosso portfólio de produtos com mais de 25 produtos. Eles nos perguntam se essa realmente é a estratégia mais acertada para nós. Acreditamos termos adotado a estratégia mais adequada, não só pelas razões já explicadas (cultura empreendedora + mercado competitivo), mas principalmente pelos números. Se a Locaweb não tivesse diversificado seu portfólio de produtos e tivesse mantido o foco apenas no de hospedagem de sites, hoje teríamos apenas 40% de nosso tamanho atual.
No próximo artigo, falarei sobre como uma empresa deve organizar seu time de desenvolvimento de produto de acordo com o tipo de estratégia adotada: diversificação ou foco.
Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digita) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais.por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.
Escrevo reguIarmente sobre gestão de produtos, desenvolvimento de produtos, liderança de produtos digitais e transformação digital. Vc pode receber uma notificação por email sempre que eu publicar algo novo, sem depender dos algoritmos de notificação de redes sociais. Basta assinar minha newsletter.
Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 3 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente: